08 de fevereiro de 2017 | N° 18763
DAVID COIMBRA
Que falta faz a hipocrisia
Somos tantos, 7 bilhões de seres humanos respirando debaixo do sol, graças ao polegar opositor e à hipocrisia. Não fosse a benfazeja hipocrisia, o mundo seria o sonho dos ecologistas: sem desenvolvimento, sem cidades, sem pessoas.
A hipocrisia salva.
A hipocrisia é o cimento da civilização.
Há quem diga que hipocrisia é falsidade. Talvez, mas prefiro um falso bonzinho a um verdadeiro malvado.
O hipócrita tem medo de ser malvado. Mesmo que o seja, mesmo que cultive os piores sentimentos, ele não os expressa, por receio da opinião das outras pessoas. Ele até sente vontade de praticar o mal, mas não o pratica. Por pudor. E isso, ao fim e ao cabo, é bom.
Poucas pessoas são tão desagradáveis quanto as sinceras. “Eu digo mesmo, digo na cara!”. Por favor. Acham que estão exercendo a honestidade, e na verdade estão sendo apenas grosseiras. Quer falar mal de mim, fale pelas minhas costas. Seja educado. Seja hipócrita.
O homem só deixa de ser saudavelmente hipócrita em duas situações: quando perde o medo ou quando tem medo demais.
Quando ele não sente mais medo do que os outros dirão dele, ele está pronto para cometer qualquer atrocidade. Os velhos já não se importam com o que os outros pensarão deles, e isso os libera para a grosseria.
O poder em excesso tem o mesmo efeito da idade em excesso: os bajuladores que cercam os poderosos nunca lhes dizem que eles estão sendo grotescos. Não é por acaso que os ditadores mais sanguinários são, em geral, figuras burlescas. Um homem que não teme a opinião alheia é um homem que não possui senso do ridículo.
Esse homem sem medo é terrivelmente perigoso. Mas o homem que sente medo também é, se for medo em demasia. Porque ele fará de tudo para se salvar do perigo que o assombra.
É o caso de Temer e de grande parte dos políticos brasileiros.
Hoje, eles têm mais medo de ir para a cadeia do que da opinião pública. Não sentem mais, portanto, a necessidade de se valer da dissimulação e da sutileza. Eles fazem o que tiverem de fazer para escapar.
Pensei que Temer, com suas pretensões de constitucionalista cordato, com aquele seu jeito de quem anda sempre de toga, daria valor às aparências e resistiria um pouco mais à pressão dos políticos em pânico.
Enganei-me. Nos últimos cinco dias, Temer nomeou Moreira Franco para o ministério com a evidente intenção de dar-lhe foro especial e indicou Alexandre de Moraes para o STF com a evidente intenção de contar com um aliado no momento em que ele, Temer, for delatado na Lava-Jato.
Esses dois movimentos são mais do que abertos: são escandalosos. Mostram que o medo da Justiça é maior do que o medo da opinião do próximo. Mostram que o terror venceu a hipocrisia.
Do que mais eles serão capazes para se salvar?
Tempos perigosos se aproximam.
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