terça-feira, 7 de fevereiro de 2017



07 de fevereiro de 2017 | N° 18762
PERIMETRAL | Paulo Germano

UM BAR PARA 10 PEDINTES

Nove e meia da noite, na Lima com a República, a gente se abanca em uma mesa na rua e chega um engraxate. Ele não pede; ele exige, implora, suplica para engraxar minhas botas, só que minhas botas são de camurça, e aquele troço é para couro. Tento argumentar, ele mal me escuta, pede por favor, diz que tem fome, que tem filhos, que tem dores, que tem aids. Tá bem, dou-lhe R$ 5 e minhas botas viram lixo.

Nosso grupo retoma o papo, pede uma batata, mas uma mão distribuindo papelzinho interrompe: “Por favor, ajude minha família a continuar tendo onde morar. Que o desejo de ajudar o próximo vença o egoísmo e a falta de esperança no ser humano”. Tenho esperança no ser humano: dou mais cinco para o guri surdo.

Em seguida chega ela. Não pesa mais de 40 quilos, vive zanzando por ali, a cara chupada e roída pelo crack. Todos negam esmola, ela pede um pedaço de torrada e meu amigo dá.

– Sai daqui, ô demônio! – é o garçom que grita com ela.

– Vai tomar no rabo! – ela rebate, pega a comida e vai embora.

Outro pedinte vem de cadeira de rodas, outro entrega uma oração de Nossa Senhora da Conceição, um terceiro pede cigarro, um quarto chora ao falar da filha – em duas horas, recebemos 10 deles, um a cada 12 minutos. Na hora de ir embora, esqueço que, ao engraxar as botas, eu havia deixado no chão, equilibrada entre a mesa e a parede, minha pasta com documentos, cartões, notas fiscais e algum dinheiro.

Voltei ao bar no outro dia. Nada. Escrevo este texto na fila do Tudo Fácil, ainda sonhando com a “esperança no ser humano”, como pedia o papelzinho.

A CARA DA RUA
"O bom de morar na escadaria é que todo mundo se conhece, a gente senta no degrau e toma chimarrão. Mas já pensou numa ambulância chegando aqui? Minha avó, antes de morrer, tinha de ser carregada num cobertor. Querida... Lembro dela na janela, em dia de chuva, esperando alguém cair. Aqui sempre cai alguém em dia de chuva."

Cláudia de Azevedo, moradora de um prédio junto à escadaria da Rua 24 de Maio

PRECISO DE TI, LEITOR DAQUI 

Esta coluna quer mostrar uma Porto Alegre que nem sempre a gente vê, mas também entender melhor a Porto Alegre que a gente está careca de ver. Dos cafundós aos personagens, das belezas aos horrores, só há um jeito de apresentar tudo isso: junto com quem vive aqui. Me ajuda, leitor, me escreve, me sugere, me critica e me abre os olhos. Nunca fez tanto sentido o tal do tamojunto.

32 buracos em 90 metros de asfalto – mais de um a cada três metros – é o pavoroso cenário da Assis Brasil nas proximidades do Terminal Triângulo

POR TRÁS DO CARTAZ

Quem atende é a mãe de santo Jussara Gomes:

– O que eu faço é trabalho de amarração com as sete pombagiras. Para eu entender o problema da pessoa, tem a consulta de tarô, que é R$ 50. Às vezes, não tem solução, aí nem adianta fazer nada. Se eu vejo solução, peço para o cliente comprar o material: velas, rosas, bebida e cigarro. Ele me paga mais R$ 100 depois do resultado, que é sempre garantido.

Nenhum comentário: