18 de fevereiro de 2017 | N° 18772
PALAVRA DE MÉDICO | J.J. CAMARGO
J. J. Camargo é cirurgião torácico e diretor do Centro de Transplantes da Santa Casa de Porto Alegre
NINGUÉM ENSINA NINGUÉM A SER ENGRAÇADO
Ninguém ensina ninguém a ser engraçado, no máximo podemos insistir para que o candidato desista de tentar antes que seja rotulado como um chato. Porque é muito irritante conviver com quem, não tendo senso de humor, ao insistir em fazer graça, não consegue ser mais do que um bobo. Alegre, mas bobo.
Sempre tive especial encanto pelos que conseguem ser divertidíssimos falando sério. Um tipo de humor raro e requintado. A seriedade das declarações muitas vezes é confundida com azedume, mas não importa, porque o produto final é a melhor das gargalhadas. O humor meio ácido de Mario Quintana, captado pela sensibilidade incomum de Juarez Fonseca nas várias edições do Ora Bolas!, é uma preciosidade do melhor humor rabugento. Adoro a história do diálogo dele na tesouraria do jornal onde tinha ido em busca de mais um vale porque, como sempre, o dinheiro terminara antes de o mês acabar. Ao ouvir do responsável: “Mas poeta, o senhor, já tem montes de vales!”, respondeu, prontamente: “Meu filho, você vai ter de se decidir: ou são montes ou são vales?!”
Meu pai era um homem compenetrado, quase casmurro às vezes, ainda que gostasse de ouvir uma piada. Mas as melhores respostas dele tinham esta marca: a frase seca e séria e, por isso mesmo, muito engraçada. Lembro de uma vez em que lhe perguntei como estava um dos meus irmãos, recém separado, que viera passar uns dias com ele em Porto Alegre. A síntese estava pronta: “Acho que ele está muito bem. Esta história de que as pessoas se separam e se deprimem, acho que com ele não vai acontecer. Mas é verdade que ontem, estávamos lá no Iguatemi e quando saíamos da Renner, ele tropeçou em um manequim e pediu desculpas, mas ele está muito tranquilo!”
O professor Tarantino, meu guru na Academia Nacional de Medicina, era temido como integrante de bancas universitárias, porque seus pareceres podiam ser generosos ou cruéis, mas sempre imprevisíveis. Participando de uma defesa de dissertação de mestrado sobre derrame pleural tuberculoso, iniciou assim: “Como publiquei muito sobre este assunto, comecei a ler a sua tese pelas referências. Não me encontrando lá, fiquei deprimido, mas logo me confortei porque também não estavam Wirchow, Koch, Calmette ou Guérin e, então, enquanto me consolava, senti muita pena da sua solidão”.
Outra vez, convocado para sabatinar um candidato pernóstico, de uma universidade rival, começou seu parecer, com uma longa frase copiada na véspera. Quando o infeliz confessou: “Desculpe, ilustre professor, mas não entendi uma palavra do que o senhor disse!”. Ele calmamente respondeu: “Não me surpreende, porque este trecho é de um poema grego, que não importa o quanto eu goste, eu só o selecionei para que o senhor soubesse como eu me senti lendo a sua tese!”
Ariano Suassuna também tinha uma maneira peculiar de expressar indignação. Uma tarde, levou do avião para uma conferência na USP, a matéria de capa do segundo caderno de um jornal que se referia à banda Calypso – pela qual tinha uma assumida ojeriza – como símbolo da música nacional e, a seu guitarrista Chimbinha, como genial. O discurso de protesto foi inesquecível: “Se a banda Calypso é símbolo da música nacional, eu quero ficar surdo. Além disso, eu sou um escritor brasileiro, então, a língua portuguesa é meu material de trabalho. Ora, se alguém emprega a palavra genial para falar do Chimbinha, o que eu faço quando tiver de me referir a Beethoven? Vou ter de inventar uma palavra nova! Tenham paciência!”.
O mestre Nelson Porto, o maior diagnosticista que a minha geração conheceu, era o terror dos patologistas para quem ligava sempre que o laudo anatomopatológico não era coerente com o contexto clínico-radiológico. Em uma dessas chamadas, o diálogo começou assim: – Foi o senhor que viu o exame do fulano? – Sim, professor, algum problema? – Eu queria saber que dia o senhor fez este laudo? – Foi na semana passada. – O dia exato, por favor. – Um momento. – Eu aguardo. (intervalo). – Foi dia 23, professor. Mas por que o senhor queria saber? – Ah, eu queria que o senhor anotasse como tendo sido um dia muito infeliz da sua vida, porque o senhor errou praticamente tudo. Era só isso. Obrigado, boa tarde!
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