17 de fevereiro de 2017 | N° 18771
NÍLSON SOUZA
SENHORITA MÁ NOTÍCIA
O título acima é um plágio do grande Gay Talese, lenda do jornalismo literário norte-americano, que o utilizou na versão masculina para escrever o perfil do obituarista Alden Whitman, do New York Times. Obituarista, como sabem os leitores de uma das páginas mais lidas dos periódicos, é o repórter que escreve diariamente sobre a morte, com sensibilidade e talento para dar ênfase à vida. Aqui em ZH, a função tem sido desempenhada por jovens recém chegadas à Redação e ao ofício, que são desafiadas a extrair de parentes pesarosos as mais interessantes biografias de finados comuns.
Mais do que leitor assíduo da seção, sou um informante credenciado pelo tempo de rodagem na profissão e na vida. Costumo dizer para as meninas:
– Jornalista antigo é comigo mesmo!
Quando acontece, porém, quase sempre me choco, mas acabo indicando fontes ou mesmo passando alguma informação a respeito do ex-colega recém chegado ao mundo dos sempre- lembrados. Esse é termo em desuso, mas os obituários ainda primam pelo eufemismo, até mesmo porque a adjetivação do morto costuma ser feita por familiares e amigos. Coisas assim: o cara era um bebum de marca maior, mas no seu epitáfio jornalístico vai aparecer que era um festeiro ou que gostava de se divertir.
Na morte, costumamos ser generosos até com os nossos inimigos. Mas nem sempre: dia desses, ganhou destaque na imprensa mundial o obituário de um texano que não foi poupado pela filha: “Viveu 29 anos mais do que o esperado e muito além do que merecia” – registrou a moça. Questionada a respeito, contou que o homem era bêbado, drogado e espancava os filhos, e que não queria que, após a morte, fosse lembrado como bom marido e pai exemplar.
A verdade é que as pessoas ruins também morrem – e aí talvez esteja a grande justiça da vida. O que mais admiro nas nossas jovens obituaristas é que logo elas aprendem a tratar dessas contradições humanas com doçura. Uma delas, que me inspirou a escrever este texto, foi transferida recentemente para a crônica social, e passou a lidar com gente bonita, bem-sucedida e festeira, sem eufemismos. Outro dia, no café, me disse:
– Que saudade do obituário!
E, diante do meu olhar espantado, acrescentou:
– Eu gostava de ouvir e contar aquelas histórias de vida, os personagens nunca reclamavam e os parentes ainda me agradeciam.
Faz todo o sentido.
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