sábado, 4 de fevereiro de 2017



04 de fevereiro de 2017 | N° 18760 
LYA LUFT

O grande silêncio da morte

Há coisas que fazem emergir o pior de alguns seres humanos, aprendi cedo com meu pai. Separação, sucesso, doença, morte e inventário. Já observei em casos de separação pessoas que um dia se amaram, tiveram sonhos e filhos, construíram uma vida, portando-se uma em relação à outra com raiva, rancor e até ódio, usando os filhos para se vingar, acusando de ações absurdas, com uma mesquinhez inacreditável em tempos normais. 

Já vi pessoas ricas brigando num inventário por um móvel velho (não antigo, velho mesmo), ao qual nunca deram atenção antes, ou buscando lograr uns aos outros. Já vi amizades ou relações profissionais terminadas quando um dos membros tem um sucesso ou nova felicidade. A esta altura da vida, já vi muitas coisas belas ou horrendas ou medíocres. Enfim, dizem, é a vida. Será?

Quero deixar claro aqui que não tenho partido político, pois de momento nenhum me seduz. Observo, analiso, procuro o mais decente ou confiável.

Vamos ao assunto: não conheci Marisa Letícia pessoalmente. Mesmo se conhecesse, dificilmente este seria o momento de julgar. Me impressionam manifestações de ódio sobretudo em redes sociais.

Parece que foi uma mulher bastante comum, vários filhos, família. Casada com o Lula, foi bastante apagada em público. Ainda que fosse uma megera corrupta, quase me assustam os que dizem que nem deveria ter sido atendida, mas morrer logo “para que o Capeta a abraçasse na hora”. Ou os que incitam a matar Sergio Moro como vingança.

Acontece que uma pessoa morreu, uma mulher de mais de sessenta anos, com filhos e netos.

Não se deve canonizar cinicamente os mortos nem condenar quem já se foi. O que dentro de nós é tão violento? Os mortos se foram pela vereda de mistério e sombra que nos intriga e nos faz pensar – ou ao menos deveria. Por um instante quem sabe podemos suspender juízos e indignação, até a justa, calar as acusações e abrir o ouvido da nossa alma para o tremendo silêncio da morte, solene e soturno. 

Dá medo, por isso evitamos esse silêncio, não queremos nada com o assunto, ou, como dizia um querido amigo que já se foi, “enquanto eu só acompanhar o cortejo, tudo bem”. Quando se abre a ferida da perda, por vezes incurável, talvez deixando para sempre uma dolorosa cicatriz, temos o susto da própria fragilidade: e eu, quando?

Talvez por isso, sem saber, muitos reajam de maneira quase implacável, embora sejam boas pessoas. Deixem Marisa Letícia descansar em paz quando terminar seu périplo de morte nunca bem confirmada. Que Deus a tenha e aquiete nossas emoções menos generosas. Depois poderemos brandir de novo o nosso arsenal de julgamentos e condenações

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