20 de fevereiro de 2017 | N° 18773
NÍLSON SOUZA
O homem do vaso
Já estou reservando uns trocados para pagar a minha parte da indenização do homem que dormia com a cabeça recostada no vaso sanitário da prisão. Tenho que pagar, é uma decisão judicial. Vale para mim e para todos os brasileiros. Pago contrariado, confesso. Mas lei é lei. Se o Supremo Tribunal Federal assim decidiu, cumpra-se. “Roma locuta, causa finita est” (Roma falou, a polêmica acabou).
Acabou nada. Mal começou. Ao decidir, na última quinta-feira, que o Estado (no caso, Mato Grosso do Sul, mas, por extensão, o Estado brasileiro) tem que ressarcir danos morais causados a detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento, o STF criou um novo imposto. De acordo com o último levantamento conhecido do Departamento Nacional Penitenciário, o Brasil tem 622 mil presos, 250 mil além da capacidade dos presídios e delegacias. Certamente há muito mais gente dormindo nas proximidades dos vasos sanitários. Preparemos nossos bolsos, portanto, que a sangria será grande.
Falando em sangria, por que será que aquele sujeito indenizado estava preso? Agora, pelo que se sabe, já está em regime de liberdade condicional – mas, ainda assim, vai embolsar os R$ 2 mil concedidos pelo tribunal. É justo isso? Legal é, não há dúvida. A legislação brasileira diz claramente que um preso sob custódia do Estado não pode ser submetido a tratamento degradante. Mas diz também que, antes de ser preso, ele não pode roubar, matar e estuprar.
Então, como fazer justiça? Vamos desconsiderar o “olho por olho, dente por dente”, que isso é barbárie. Pulemos essa parte, até mesmo porque nossa Constituição veda explicitamente castigos mais rigorosos para os criminosos. O inciso XLVIII do artigo 5º, que trata dos direitos e garantias individuais, diz que não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.
Empilhar pessoas em cubículos imundos, obrigando-as a dormir com o nariz na beira do vaso, quando tem vaso, é inquestionavelmente uma pena cruel. Na comparação com os danos causados às vítimas dos crimes, porém, pode até parecer branda. Tanto que o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul entendeu que não cabia indenização por danos morais ao reclamante.
Mas ele recorreu ao Supremo e ganhou. Todos os ministros consideraram que o preso tinha razão e que o Estado deveria ser penalizado por não lhe oferecer condições dignas para o cumprimento da pena. Três deles, porém, sugeriram que a indenização não fosse paga em dinheiro, mas em desconto da pena. Prevaleceu a chamada compensação pecuniária. Vamos ter que pagar.
Com o meu protesto.
Não acho que os detentos tenham que sofrer os castigos do inferno, até mesmo porque nas prisões brasileiras misturam-se psicopatas, ladrões de galinha e até mesmo gente que nem sequer foi julgada, talvez até alguns inocentes. Amontoá-los em masmorras medievais é, no mínimo, dar tratamento igual a pessoas desiguais. E o parâmetro dessa “igualdade” todos sabemos qual é: viram feras, arrancam a cabeça uns dos outros e, em muitos casos, saem de lá para praticar suas novas habilidades na sociedade. Vade retro!
Mas, daí a ter que pagar indenização pelo mau cheiro da cadeia, vai uma grande distância. Por que não cobram daqueles vigaristas de colarinho branco que delatam comparsas e saem lépidos e faceiros com suas tornozeleiras eletrônicas?
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