quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017



09 de fevereiro de 2017 | N° 18764
O PRAZER DAS PALAVRAS | Cláudio Moreno

Fila indiana

A ETIMOLOGIA, campo fértil para a fantasia, sempre deve ser examinada com um pezinho atrás

A pergunta nos vem de Maria Amélia V., professora de Lajes, Santa Catarina: “Como leitora assídua de sua coluna, sou muito grata pelos ensinamentos que recebo. Quantas vezes paguei mico ao explicar em aula que a palavra aluno queria dizer “sem luz”! Depois que o senhor mostrou que não tem nada a ver com isso, comecei a desconfiar dessas explicações etimológicas que, como se diz na minha terra, andam na boca do povo. 

Meu problema agora é com a fila indiana; segundo um famoso pesquisador, Mário Souto Maior, a gente emprega esta expressão porque as filas surgiram há mais de cinco mil anos na Índia, onde os indianos tinham o costume de caminhar em filas, quando saíam de uma para outra região, numa espécie de êxodo. É isso mesmo? Está me parecendo – desculpe a expressão – uma pura forçação de barra”.

Prezada Maria Amélia, seja bem-vinda ao clube dos céticos! A etimologia, campo fértil para a fantasia, sempre deve ser examinada cum grano salis (que é a maneira elegante de dizer “com um pezinho atrás”). Deve haver aqui uma citação distorcida; não acredito que Souto Maior, um folclorista conhecido, tenha caído na tentação de situar a origem das filas na Índia apenas para combinar com a fila indiana (e os chineses? e os egípcios? e os sumérios?). Na verdade, o adjetivo indiano, aqui, se refere aos indígenas das Américas, como vamos ver.

A confusão, você sabe, começou com Cristóvão Colombo. Convicto da redondeza da Terra, levou suas naves numa linha reta através do Atlântico, certo de que fatalmente chegaria às Índias por uma rota diferente da habitual. Ao avistar terra firme na região das Bahamas, pensou ter chegado finalmente a seu objetivo e chamou de índios os nativos que vieram recebê-lo na praia. Esse era o termo usado, tanto no Português quanto no Espanhol, para designar os povos da Índia, como podemos ver nas Décadas, de João de Barros (1552): “detrás deste povo vinham dois elefantes adestrados por dois índios, que de cima deles, em modo de porteiros, faziam afastar a gente”.

Não por acaso, o Novo Mundo foi chamado, por muito tempo, de Índias Ocidentais. O idioma francês contribui, neste caso, com um exemplo curioso: juntamente com o tomate e a batata, as novas Índias apresentaram ao mundo gastronômico europeu uma ave de porte avantajado, ideal para banquetes: o peru, batizado pelos franceses de coq d’Inde (“galo da Índia”), que evoluiu para dindon, sua forma atual. É por isso, também, que muitos idiomas usam uma mesma palavra para designar tanto os nativos da América quanto os naturais da Índia: indian (Ing.), indien (Fr.), indio (Esp.).

Nossa língua, no entanto, criou desde cedo a variante indiano, que podia ser usada como sinônimo de índio até o séc. 19: “O cristão adormeceu ouvindo suspirar, entre os murmúrios da floresta, o canto mavioso da virgem indiana” (Alencar); “A aparição de Gonçalves Dias chamou a atenção das musas brasileiras para a história e os costumes indianos” (Machado de Assis). 

A fila indiana, portanto, (indian file no Ing., file indienne no Fr.) seria a forma de se deslocar em grupo pelas trilhas estreitas do novo continente, que ainda tinha intacta toda sua vegetação primitiva. Esse tipo de formação, que obedecia a uma hierarquia de experiência e importância, era também adotado pelas famílias coloniais, como se pode ver nas pitorescas gravuras de Rugendas.

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