sábado, 11 de fevereiro de 2017



11 de fevereiro de 2017 | N° 18766 
LYA LUFT

Meu novo guru (transitório)

Várias vezes decidi, anunciei, que por um tempinho ia parar de postar coisas negativas no meu Face, coisas como outra noite do meu quarto ouvir vários tiros logo ao lado, na frente do Iguatemi. Mas, além de profissão, tenho o vício de escrever, o que faço há tantas décadas e paga minhas contas, e acabo comentando. Mas hoje, no mesmo Face, encontrei uma figura que por três dias será meu guru: uma rã, ou sapinho, num bote de borracha, numa lagoa, atirado para trás, feliz da vida, e os dizeres: “Quero ser feito chuveiro velho: não ligo, e se ligo, não esquento”.

Compartilhei, repeti, afirmei e reafirmei: três dias postando só florzinha, ou foto dos meus bugios do bosque, ou nuvens, ou nada. Às vezes, a alma está aquietada, mas o pensamento – floresta de tantos ventos – acaba se manifestando. Vou conseguir? Alcance a paz de espírito, sugere alguém, e tem razão. O que é paz de espírito? Uma amiga certa vez disse que não quer juventude de espírito, ia parecer “a alma fazendo trejeitos”. A paz talvez seja como uma preguiça da alma? Uma anestesia? Uma obtusidade, uma burrice? 

Possivelmente, um começo de sabedoria, ai de mim. Ela é essencial, sobretudo quando tantos anos de luta e labutas e surpresas já deviam ter amansado esses corcoveios de indignação, de incredulidade, de entusiasmo ou de adolescência mental. Tento meditação algumas vezes, mas me atrapalho. Alguém bondoso achava que esse meu estar sempre nas nuvens (“essa guria sempre nas nuvens”, dizia minha mãe, ou “no mundo da lua”) era um tipo de meditação “à la Lya”...

Nasci ansiosa, preocupada, e por algum buraco na alma, alguma falha na criação, algum choque de que não tenho memória, talvez eu me sinta desde sempre meio responsável pelo mundo, pelos outros, até pelos tiros ouvidos da minha cama outra noite. Minha terapeuta achava graça: “Mas que onipotência!”. 

Deve ser mesmo. Se eu não me comportar bem, o pai pode morrer, a mãe sumir, o raio cair, o marido fugir, o filho quebrar a perna, o tiro matar, sei lá. Não há limites para nossa ou minha infantilidade nesse assunto, que às vezes chateia a mim e aos outros, embora em geral fique mais lá no inconsciente, que, coitado, engole e tenta digerir a loucura toda.

Quando fico cansada de mim mesma, desse meu jeito, lembro de meu amado amigo e compadre Erico Verissimo, que mais de uma vez me disse: “No fim de tudo, resta o humor, que nos salva”. Acho que sim. Verdade que sobre muitas coisas não dá pra fazer humor, mas quem sabe ironia, que é um humor meio triste.

Neste fim de semana, talvez eu fique feito aquele meu sapinho sábio: não ligo nem a tevê, não vejo notícias (um dos meus vícios piores), não dou bola nem pro Trump, que está lá longe e que afinal me distrai muito (ou assusta?). Na nossa casinhola da Serra, vou só olhar o marido lendo e escrevendo, espiar as nuvens ou escutar a chuva – se ela vier. 

Porque, acreditem, nada me deixa mais aconchegada e feliz do que chuva, mesmo na Serra, mesmo na praia: sensação de abrigo, música de anjos, gotas batendo na janela, e escorrendo – não feito lágrimas, mas quem sabe um sorvete derretido, incolor e com gostinho de abacaxi (meu preferido).

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