04 de setembro de 2014 |
N° 17912 L.F. VERISSIMO
A briga
Nos velhos filmes de caubói, o
pano de fundo da trama era, muitas vezes, a guerra entre criadores de gado e
agricultores pelos vastos espaços do interior americano, e quase sempre os
pecuaristas – rudes gigolôs de vaca que só se interessavam nos campos como
pasto – eram os bandidos da história, em contraste com os pacíficos lavradores.
A briga se repete através da
história econômica dos Estados Unidos, hoje com o capital financeiro no papel
de pecuaristas maus e o capital produtivo no papel dos lavradores bons,
indefesos diante da truculência do adversário. A não ser quando – como
acontecia muito nos filmes – algum mocinho providencial decide defendê-los.
Como prova a crise dos últimos
anos, o capital financeiro, que usa a economia como pasto apenas para engordar
os seus próprios bois já suficientemente gordos, está ganhando longe do capital
produtivo. Nos Estados Unidos, o domínio da indústria financeira sobre a
economia e a alma do país tem seus antecedentes na ocupação do seu Oeste
bravio, mas agravou-se num passado relativamente recente.
Depois dos chamados 30 anos de
sonho do capitalismo mundial que se seguiram ao fim da II Guerra, quando tudo
parecia estar dando certo – a não ser, claro, para os países “emergentes” que
nunca emergem – a coisa degringolou (do francês “degringoler”, ou “allez à les
cucuias”). Culpa da ganância descontrolada do setor financeiro.
E da globalização: hoje, das
empresas americanas listadas como as maiores na revista Fortune, mais da metade
tem mais lucros fora do país do que no país. Assim, a imensa classe média
americana que era o mercado natural para a produção americana, como bem
entendeu o Henry Ford quando, além de fazer carros baratos, pagava a seus
empregados o suficiente para comprá-los, tornou-se irrelevante. Enquanto isso,
os bois gordos das finanças nunca se autorrecompensaram tanto. E combatem a
regulação da sua atividade como os antigos barões do gado combatiam as cercas.
A novidade do badaladíssimo livro
do francês Thomas Piketty sobre a desigualdade no mundo não é a revelação de
que aumenta a distância entre ricos e pobres. Isso – uma vez preenchidas certas
condições, como a de não ser nem cego nem burro – todo mundo sabe. Piketty está
sendo tão saudado e combatido porque, no seu livro O Capital no Século XXI, ele
diz que, a seguir como vai a economia mundial, com uma casta financeira
mandando e desmandando para o seu proveito exclusivo, a distância aumentará
cada vez mais. Ao contrário do mantra liberal de que só o mercado livre traz a
felicidade. Traz, mas para uns poucos.
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