sábado, 6 de abril de 2019



06 DE ABRIL DE 2019
ARTIGO

O DIREITO REAFIRMADO

O número de africanos sacrificados no processo escravista é impreciso. A falta de reconhecimento dessa desumanização de seres humanos em nome da acumulação primitiva de capital e a negação das manifestações culturais que restaram desse processo garantem a permanência do racismo estrutural nas relações sociais. O ataque à sacralização de animais é uma das formas como o racismo se manifesta socialmente.

A sacralização dos animais nas religiões de matriz africana segue conhecimentos milenares guardados na tradição e compartilhados pela experiência e pela oralidade. Esses conhecimentos garantem que não haja sofrimento para que a boa energia vital resultante, o axé, religue os iniciados aos ancestrais e à natureza. Ao mesmo tempo, possibilita a renovação das energias da coletividade de um terreiro, pelo axé e pelo alimento compartilhado entre os que vivem em torno das casas de religião. São cosmogonias e tempos que não podem ser medidos pela visão de mundo europeia.

Apesar disso, a argumentação contrária à prática segue um regime de verdade construído pela modernidade do ocidental, a mesma que gerou as teorias do racismo científico - base da ideia de superioridade da civilização e das raças europeias. Os argumentos parecem novos (veganismo e defesa dos animais), se repetem (ilegalidade) ou permanecem (barbárie e diabolização), mas em verdade se originam na mesma matriz - o racismo estrutural.

Referir a simples manifestação contrária ou favorável à sacralização não dá conta da complexidade do debate. O ataque jurídico e público a esse rito, basilar das religiões de matriz africana, objetiva em verdade o desaparecimento dessa forma de existir. São manifestações de intolerância religiosa que negam a diferença e se impõem a partir de uma visão de mundo que sacrifica e elimina física e simbolicamente desde sempre africanos escravizados e seus descendentes. A decisão do Supremo, que garante o direito de existir com a natureza das religiões de matriz africana, apenas reafirma o que está exposto no artigo 5º da Constituição Federal. O resto é racismo.

DEIVISON CAMPOS Jornalista e professor de Comunicação da Ulbra, doutor em Comunicação e doutorando em História deivison_campos@hotmail.com

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