sábado, 27 de abril de 2019



27 DE ABRIL DE 2019
PAULO GERMANO

Por que não dá para desistir

Não conhecia aquele Michael. Há quase três anos, recebi dele uma mensagem no Facebook: Minha tia encontrou uma carteirade um Paulo Germano e, pelas fotos,é parecido contigo.

Ué. A carteira estava na minha pasta, ela raramente sai dali, então pobre desse outro Paulo Germano, que, além de ter perdido a carteira, ainda é parecido comigo, mas, mesmo assim, decidi abrir a pasta, não custava conferir, enfiei a mão lá no fundo, só senti a caneta e o bloquinho, depois meti o nariz lá dentro e cadê o diabo da carteira?

Perdi. Michael estava certo, devia ser minha mesmo. Estavam nela todos os meus documentos, cartões de crédito e de débito, notas fiscais e algum dinheiro. Ele pediu que eu informasse minha data de nascimento, para checá-la na identidade, mas ressaltou que a carteira, na verdade, estava com a tia dele. Michael só tinha as fotos dos documentos, que a tia lhe havia enviado por WhatsApp. Comecei a me impressionar com aquilo.

É que a tia de Michael, dona Rosangela, não tinha Facebook, então pediu ao sobrinho que encontrasse o moço da carteira. O problema é que meu nome completo, na identidade, é Paulo Germano Moreira Boa Nova, o que fez Michael procurar por Paulos Moreiras e Paulos Boas Novas e Paulos Novas e Paulos Germanos, até encontrar alguém mais parecido com o sujeito dos documentos.

Fiquei comovido. Agradeci pela honestidade, pelo tempo perdido com uma pessoa que nunca viram. "Era o mínimo que eu poderia ter feito", respondeu Michael, antes de me passar o telefone da tia. Com entusiasmo na voz, feliz por ter me achado, dona Rosangela já foi contando:

- Faço faxina ali na Bordini e, quando eu saía do trabalho, antes de pegar o ônibus no Parcão, chutei um troço preto na calçada.

Pela descrição, foi em frente ao prédio da minha mãe. Decerto a carteira caiu quando eu descia do Uber. - Fiquei com uma pena... Vi aquele monte de documento ali, e o senhor ia ter que fazer tudo de novo.

- Nem me fala, dona Rosangela, seria uma incomodação.

- Sim, eu sei. Fui assaltada esses dias e fiquei tão triste, seu Paulo. Roubaram a carteira e o meu celular, duas vezes.

- Mas como duas vezes?

- Roubaram na parada. Comprei um celular novo na sexta e, na segunda, já me levaram ele também. Aliás, quero dizer que os R$ 60 do senhor continuam aqui, viu? Tá tudinho na carteira.

Fiquei pensando, meio culpado. Dona Rosangela faz faxinas, frequenta o Moinhos a trabalho, volta para casa de ônibus, não deve ter muito dinheiro e é assaltada duas vezes em poucos dias. Já eu visito minha mãe no Moinhos, volto para casa de Uber, não sou pobre e, quando perco meu dinheiro, dona Rosangela me devolve. No dia seguinte, ao buscar minha carteira com ela, na casa de uma família no Bom Fim, pedi que agradecesse outra vez a Michael.

- Ele ficou tão feliz que pôde ajudar. Porque o Michael anda preocupado, perdeu o emprego faz um mês e agora só pensa em arranjar trabalho - contou ela antes de eu me despedir.

Na quinta-feira passada, resolvi ligar para dona Rosangela. Descobri que Michael, hoje, é cobrador. Perguntei como foram os últimos anos, e ela disse que tudo bem, embora tenha vivido alguns imprevistos:

- Lembra daquele temporal horrível? Aquele que destruiu a cidade. Perdi tudo, seu Paulo, tudo - ela suspirou, para depois dizer que recuperou cada coisinha trabalhando duro, mas que, no ano passado, arrombaram sua casa e tudo foi embora de novo.

Dona Rosangela, como sempre, foi reconquistando o que precisava. E eu fiz questão de lhe agradecer outra vez - agora não pela carteira, mas porque nunca, nem ela, nem Michael, aceitaram desistir.

PAULO GERMANO

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