27 DE ABRIL DE 2019
CARPINEJAR
Meu antidepressivo
É natural emendar episódios da série em casa. Há quem nem dorme até assistir uma temporada inteira, de cabo a rabo. Dez capítulos de um fôlego só pulando apenas a abertura e parando unicamente para o pit stop do banheiro e da água.
Lembra uma possessão, a pessoa não consegue realizar outra coisa a não ser acabar aquilo naquela noite. Não pisca, não interage, um zumbi do vício. É capaz de tomar café ou energético para não sucumbir ao sono. Profissional mesmo das maratonas visuais.
Já fiz isso, é um prazer indescritível de solidão, a esposa não consegue acompanhar o percurso e fica assustada no dia seguinte com o meu rosto murcho e remelento de ressaca, de balada dentro de casa.
Apesar da facilidade de empilhar séries, a minha maior alegria é ainda o cinema, onde recarrego as minhas baterias e organizo as ideias. Sou rato das cadeiras vermelhas. E é uma felicidade que costumo inventar quando estou triste, quase como uma automedicação. Ao sentir desânimo no trabalho, eu bloqueio a agenda e me receito filme.
Não um filme, vários filmes em sequência. Vou na bilheteria e compro a sessão das 14h, das 16h, das 18h. É apenas eu e as histórias na tela. Apago o celular e tiro miniférias por algumas horas. Sumo do radar das preocupações. Ninguém me encontrará.
Troco de sala rapidamente, como se estivesse participando de júri de um festival. Numa exibição, trituro pipoca. Noutra, quebro balas nos dentes. Na terceira, já me tornei um espectador cult, que não gosta de barulho e pede silêncio.
Um filme entra no próximo, aleatoriamente. Roteiros se misturam. Atores e atrizes de diferentes matrizes dialogam em minha cabeça. Relaxo não pensando nas discordâncias de minha rotina, assumindo o papel de testemunha da beleza e da verdade alheias. Meus problemas desaparecem porque interrompo a cadeia obsessiva de reprisá-los.
Nada é mais terapêutico do que entrar no escuro de uma projeção no começo da tarde e sair de noite. Não perdi o dia, ganhei a minha vida de volta. Dá uma saudade danada da luz e de conversar com os outros.
CARPINEJAR
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