sexta-feira, 12 de abril de 2019



A Simone de Beauvoir árabe 


Não por acaso, e muito menos por falta de mérito, a médica e psiquiatra feminina, escritora e ativista egípcia Nawal El Saadawl foi chamada pela agência de notícias Reuters de "A Simone de Beauvoir do mundo árabe". Ela já foi presa por Anwar al-Sadat em 1981 por supostos "crimes contra o Estado". Nawal escreveu muitos livros sobre as mulheres no Islã e, em especial, luta contra a prática da mutilação genital feminina no Oriente Médio.

A mulher com olhos de fogo (Faro Editores, 160 páginas, tradução de Fábio Alberti e prefácio de Miriam Cooke), mostra o despertar feminista de uma mulher no Oriente Médio, mediante a narrativa sobre Firdaus, uma senhora do Egito que está presa e vai ser executada. No relato verdadeiro e urgente, ela conta para Nawal como cresceu na miséria, fala da mutilação genital que sofreu e de como foi violada por membros da família. Ela casou ainda adolescente com um homem mais velho, foi espancada frequentemente e teve que se prostituir.

A narrativa nos conduz pelas ruas de Cairo e mostra detalhes de uma sociedade em que a mulher sempre volta à estaca zero, sempre ao ponto de partida. Num ato de rebeldia, reuniu coragem para matar um de seus agressores e isso a levou à prisão. Firdaus levou uma vida sem possibilidade de escolhas, mas em meio ao desespero, encontrou alguns caminhos. A sombria narrativa convida os leitores a experimentarem um pouco das pequenas liberdades que Firdaus conseguiu e, principalmente, a acompanhar suas transformações internas.

O clássico jornal The Guardian disse, sem exagerar, sobre a obra de Nawal: "Um dos livros mais francos e radicais sobre a vida feminina, de todas as origens, em todas as partes do mundo". Depois de quatro décadas da revolução islâmica, muitos consideram normais as restrições aplicadas às mulheres, incluindo as próprias mulheres.

Os livros de Nawal já foram traduzidos para mais de 28 idiomas e sua obra é realmente inspiradora, num mundo Oriental e Ocidental com gigantescos índices de variadas violências contra as mulheres. 

Atenção e cuidado 

Vivemos numa era de velocidade, dispersividade e de descompromisso, ao que se sabe, nunca vistos. Fazemos muitas coisas ao mesmo tempo, muitas vezes de modo superficial, utilizando vários meios de expressão e de comunicação, e estamos imersos em mares infinitos de palavras, sons, imagens, recados e fotos nas redes sociais. 

Quem dá conta de milhares de amigos no Face, milhares de postagens no Instagram, no twitter, no Messenger e em outras redes? Nesse contexto midiático, barulhento e entontecedor, chama a atenção o lançamento do oportuno livro Atenção (Bicicleta Amarela, Rocco, 288 páginas), do contista, romancista e ensaísta Alex Castro, autor, entre outras publicações, do romance Mulher de um homem só; da coletânea de contos

Onde perdemos tudo e de Outrofobia, obra com ensaios. Alex foi colaborador da revista Mad in Brazil, do site PagodeHomem e do jornal Tribuna da Imprensa. Praticante do zen-budismo há mais de 10 anos, Alex é membro da Ordem dos Pacificadores Zen e irmão ordenado em Eininji-Templo do Cuidado Amoroso Eterno, em Copacabana. Em seu livro, Alex diz que desatenção e falta de concentração não são apenas isso, mas também fala de cuidado, de zelo, de carinho. Não ter atenção é conviver com pessoas sem verdadeiramente interagir, passar pela vida como quem observa uma janela de um trem e estar no mundo sem cuidar dele.

Os ensaios de Alex são inspirados nos ensinamentos de Simone Weil e nas lições do budismo engajado e tratam de gratidão permanente, olhar generoso, cultivo do silêncio, ouvir com atenção plena, abraçar a não certeza, abdicar do debate, exercer a não opinião, aceitar a realidade, reconhecer a morte, desapegar do eu, escolher agir com cuidado, estar presente e habitar outra pessoa e acumular menos, entre outros temas relevantes.

Sem atenção não existe cuidado, ensina Alex, que entende que devemos exercitar nossa atenção, de várias maneiras, para convertê-la num instrumento de ação política. Praticar a atenção não é apenas um simples esforço de autoconhecimento ou desenvolvimento pessoal e, sim, um ato político para o benefício alheio. O autor pretende que as pessoas não se tornem melhores apenas para si mesmas e, sim, para as outras pessoas. Com atenção, os outros não precisarão lidar com nosso "eu" mesquinho e intolerante, egocêntrico e defensivo.

Alex entende que amar é reconhecer plenamente a existência de outra pessoa, pois só amamos aquilo que conhecemos e para ele nenhum ato político é mais transformador do que enxergarmos e aceitarmos, acolhermos e cuidarmos umas das outras. Ou seja: mais importante que se tornar uma pessoa melhor para si, é tornar-se melhor para as outras pessoas. Diz Alex: o processo de reconhecer privilégios, cultivar empatia, tomar consciência de injustiças é sempre longo, sofrido, trabalhoso e, se não for, é porque não estamos fazendo direito.

Vamos descobrir verdades desagradáveis sobre nós mesmos, nossas famílias e sociedade. Num determinado momento nada mais natural que nos darmos uns merecidos tapinhas nas próprias costas. - Jornal do Comércio

https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/colunas/livros/2019/04/678650-a-simone-de-beauvoir-arabe.html)

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