27 DE ABRIL DE 2019
INFÂNCIA
POR QUE BRINCAR DE GUERRA
Professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, o português Carlos Neto não foge a temas polêmicos relacionados ao desenvolvimento infantil. Em entrevista por e-mail, ele falou da importância das brincadeiras de luta, guerras e "brigas" entre crianças, ainda hoje vistas como nocivas por pais e especialistas.
INFLUÊNCIA DOS JOGOS NA FORMAÇÃO DAS CRIANÇAS
"O processo de desenvolvimento humano ocorre entre duas dinâmicas opostas e complementares: a procura de proximidade (segurança) e a necessidade progressiva de distanciamento (autonomia). As crianças menores procuram afeto, e as mais velhas, independência. Esse é um fenômeno que acontece em quase todas as espécies animais. Trata-se de uma questão de sobrevivência e de aquisição de ferramentas muito úteis para se tornar adulto. Esse mecanismo adaptativo é ainda mais particular no ser humano por ter uma infância relativamente longa e necessitar assegurar a sua sobrevivência através de uma relação muito complexa entre mudanças que ocorrem no seu corpo e no seu ambiente. O desenvolvimento do jogo e da motricidade permite uma conquista progressiva de autonomia do homem através de referências biológicas e culturais.
BRINQUEDOS BÉLICOS E DESENVOLVIMENTO
"Se as famílias e as escolas não fornecerem brinquedos bélicos às crianças, elas terão a ocasião de encontrar objetos que imitarão esse tipo de brincadeira. Esses brinquedos bélicos naturais, artesanais ou industriais (como a maior parte de jogos de guerra eletrônicos), são fundamentais para o desenvolvimento motor, cognitivo e social. Elas brincam de guerra (faz-de-conta) de forma simbólica e adquirem várias competências muito importantes: noção de ataque, defesa, território, fuga, simulação, sobreviver, morrer.
A IMPORTÂNCIA DAS BRINCADEIRAS DE LUTA
"Elas são uma das mais fascinantes linguagens do corpo em uma perspectiva evolutiva. Os comportamentos de jogo de luta a brincar (play-fighting), jogo de perseguição e caça (play-chasing) e jogo de luta a sério (real-fighting) têm sido largamente estudados no comportamento animal e humano. Todas as crianças saudáveis têm necessidade de brincar de lutas ou de jogos de perseguição. São atividades ancestrais que devem fazer parte das culturas lúdicas na infância."
PAIS DEVEM PROIBIR OU NÃO?
"O contato físico através dessas brincadeiras e a consequente perseguição são comportamentos que não devem ser proibidos. Pelo contrário, devem ser implementados entre pais e filhos em casa, entre as crianças no recreio ou em jogo livre nos espaços exteriores. Reprimir esse tipo de brincadeira é um erro estratégico do ponto de vista educativo e terapêutico. No entanto, devemos ter atenção quando assistimos a lutas a sério de forma repetida em crianças (principalmente nos recreios escolares), porque isso pode denotar comportamentos de bullying."
LUTAS ESTIMULAM AGRESSIVIDADE?
"Essas formas de brincar são muito importantes durante a infância e uma estratégia decisiva em interiorizar e humanizar os impulsos agressivos que fazem parte da natureza humana. As nossas pesquisas vêm demonstrando que os jogos de luta e a utilização de brinquedos bélicos têm um estereótipo predominantemente masculino e não se verificou, nas crianças estudadas, alterações ou aumento de comportamentos antissociais ou agressivos entre pares. Devemos ainda lembrar que os brinquedos bélicos têm uma existência muito significativa em todos os estudos realizados em pesquisas etnográficas sobre jogos tradicionais na infância, em diversos continentes e culturas. Há muitos benefícios no desenvolvimento da criança na utilização destes objetos lúdicos, apesar da polêmica científica e pedagógica ainda existente sobre o papel nocivo dos brinquedos bélicos."
Gazeta do Povo - ADRIANO JUSTINO
Nenhum comentário:
Postar um comentário