27 DE ABRIL DE 2019
PAULO GLEICH
SAIR DE CASA ACONTECE CADA VEZ MAIS TARDE
Na minha adolescência, tudo o que eu queria era sair de casa. Não que a vida em família fosse tão penosa assim, mas ansiava pela liberdade que morar sozinho me traria: dormir a hora que quisesse, receber amigos e crushes a qualquer momento, decidir sobre minha alimentação. Isso também era manifestado pelos meus pais, que repetiam: quando tiveres 18 anos, poderás decidir o que fazer da vida.
Claro que aos 18 estava longe de ter toda a maturidade imaginada, mas, assim que foi possível, fiz minhas trouxinhas e me mandei. Aos poucos, fui equalizando os hábitos, descobrindo minha própria rotina, longe da casa dos pais. Virei noites fazendo trabalhos para a faculdade deixados para a última hora, perdi aulas por não ter conseguido abrir mão de uma festa imperdível, ajustei hábitos ao orçamento.
Os tempos mudaram, e as gerações atuais saem cada vez mais tarde de casa. Há um contexto econômico, diferente de 20 anos atrás, sempre apontado como fator determinante. Mas desconfio que não seja o único: com frequência, falta aos jovens o desejo de sair da casa dos pais. Estes, menos rigorosos e restritivos do que os de antanho, abrem espaço para liberdades pouco comuns nas gerações anteriores: podem levar namorados, fazer festas, ir e vir quando bem desejam - e tudo isso com comida e roupa lavada.
O que parece um cenário com o melhor de dois mundos pode ser, muitas vezes, uma espécie de prisão de luxo. Seduzidos pelas tolerantes benesses do lar parental, os filhos não veem sentido em passar perrengues - como juntar trocados para pagar a conta de luz ou comer miojo por uma semana - apenas para ter algo que, supostamente, têm em casa: a liberdade de ir e vir, de fazer o que desejam. Com esse véu de liberalidade, a alienação passa quase despercebida, mas com frequência está lá: há uma dependência que transcende a questão econômica, que diz da dificuldade de filhos e, sobretudo de pais, de se separarem.
Nesse contexto, uma saída comum na atualidade têm sido as experiências de intercâmbio ou de uma temporada no Exterior. Toleradas e até estimuladas pelos pais, ciosos de investir no futuro profissional dos filhos, acabam sendo aproveitadas por estes como uma espécie de estágio da vida adulta: aprender a lidar com colegas de apartamento, dar conta dos cuidados que uma casa requer, aventurar-se para além do restrito contexto conhecido por muitos jovens de classe média alta.
Há casos em que a saída de casa torna-se um desafio tão grande que só parece justificável, para o jovem e para os pais, quando envolve a mudança para outra cidade. Afinal, por que ele sairia de casa para morar na mesma cidade, em outra casa? É essa distância geográfica que, com frequência, dá lugar a uma elaboração do que se vivia e sentia, sem se dar conta, na proximidade. É ela também que permite perceber um estranhamento em relação aos hábitos familiares, abrindo espaço para perguntar-se sobre o próprio desejo.
Sair de casa é sempre um desafio, pois mesmo longe dela a levamos conosco, sem perceber. Começamos a entender o mundo e a vida a partir das relações familiares, e precisamos de alguma distância delas para criarmos nosso próprio estilo e lugar no mundo. Estes, é claro, sempre terão as marcas do que recebemos em casa. No entanto, requerem alguma separação, física - mas sobretudo psíquica - para que não sejam apenas uma repetição daquilo que se herdou dos laços de família.
Paulo Gleich escreve a cada 15 dias neste espaço. Na próxima semana, leia a coluna de Christian Dunker - PAULO GLEICH
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