sábado, 13 de abril de 2019


13 DE ABRIL DE 2019
PAULO GLEICH

É PRECISO SAIR DA ZONA DE CONFORTO?


De tempos em tempos, alguma expressão cai no gosto popular e acaba sendo repetida à exaustão, adquirindo status de verdade inquestionável. Atualmente, boa parte dessas ideias provém do âmbito do empreendedorismo, que cada vez mais se funde com autoajuda; basta visitar uma livraria para constatar a proliferação de títulos relacionados ao assunto. Não é nenhuma surpresa que, em um mundo organizado em torno do mercado, sejam esses os ideais que organizam também a vida pessoal.

Uma ideia que ganhou força nos últimos anos é a de que é preciso "sair da zona de conforto". Escutamos (e usamos) em conversas cotidianas e, como não podia deixar de ser, acaba também surgindo na fala dos pacientes. Sair da zona de conforto tornou-se palavra de ordem, e quem não se sente convocado a responder a ela estaria estagnado, alienado, conformado.

O que seria a tal da zona de conforto? Em sua leitura mais banal, seria aquilo com que nos sentimos confortáveis, as gavetas e caixinhas com as quais organizamos os pensamentos e ações. Sair da zona de conforto seria ir além do conhecido, explorar novas possibilidades, transgredir as próprias limitações. Parece fazer todo sentido seguir essa ordem, pois a tal zona seria uma espécie de prisão.

Algo, porém, sempre me incomoda quando é essa obrigação que justifica atos e escolhas. Isso porque há, implícita nela, uma ideia de que o conforto deve ser evitado, e que a medida certa para avalizar as decisões é se elas implicam desconforto. Ao comandar a saída da tal zona, afirma-se que o conforto é algo intrinsicamente ruim, a ser evitado. Pelo avesso, sentindo-se desconfortável, se estaria em bom caminho.

Mas será que todo conforto implica em um estado de alienação, como faz pensar a expressão? Se alguém se sente confortável em seu trabalho, precisaria necessariamente fazer esforços para obter um cargo melhor, assumindo funções que não lhe trariam nenhum prazer - mesmo que com uma remuneração melhor? A lei da saída da zona de conforto diz que sim, porém desconsidera outros indicadores de satisfação pessoal, como a tranquilidade, o prazer, a disponibilidade de tempo para estar com quem se gosta.

A experiência clínica também mostra que a tal "zona de conforto", no sentido daquilo que é conhecido, nem sempre é tão confortável. Como já diz o ditado, há muitos que encontram mais conforto no mal conhecido do que no bem por conhecer. Guiando-se por essa ética do desconforto, é possível acreditar-se no caminho do crescimento, quando na verdade se está preso a uma necessidade neurótica de sofrer.

Obedecer cegamente à obrigação de sair da zona de conforto pode levar a um estado de ansiedade, por sempre ter de buscar novos desafios - mesmo que eles não reflitam algo que se deseja. É preciso também atentar para quem profere essa verdade inquestionável, pois ela pode ser usada para justificar atos que trazem sofrimento ao outro, sem o suposto benefício que estaria contido no desconforto.

Não advogo, com isso, pela permanência na zona de conforto, mas por uma interrogação sobre aquilo que nos move para longe dela. Crescer sempre implica algum desconforto, mas isso não faz com que qualquer desconforto seja índice de crescimento. É importante poder reconhecer os próprios limites não apenas para transgredi-los, quando nos engessam, mas também para às vezes aceitá-los, quando isso nos ajuda a melhor situar-nos na vida.

PAULO GLEICH

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