segunda-feira, 29 de abril de 2019



29 DE ABRIL DE 2019
OPINIÃO DA RBS

DISPERSÃO DE FOCO NO PLANALTO

É nos problemas reais do Brasil que o presidente deveria se esforçar para colocar toda a sua atenção e perseguir soluções

Em tese, a ninguém deveria surpreender o grau de intervencionismo do presidente Jair Bolsonaro em questões de costumes aparentemente menores e corriqueiras, como um comercial do Banco do Brasil que apresenta a diversidade como um trunfo para modernizar sua imagem e atrair mais jovens para a instituição. O presidente nunca escondeu que é nessa agenda de costumes que ele se sente mais à vontade - seja nas manifestações abertamente preconceituosas durante seu mandato como deputado ou mesmo nas críticas pontuais ao longo da campanha, quando se dedicou a atacar até mesmo uma questão da prova do Enem.

Bolsonaro deve muito de sua eleição a essa agenda. Graças aos ataques ao chamado politicamente correto, ele se destacou na multidão de candidatos e galvanizou um eleitorado ávido pelo representante de uma corrente de pensamento mais conservador. Para mobilizar esse eleitorado, as redes sociais foram o meio ideal. Afinal, elas dispensam filtros e geram a criação de bolhas de opinião nas quais todos pensam e se expressam virtualmente da mesma forma, em um crescendo de extremos e sectarismo que favorece a eleição de candidatos de postura mais radical ou que desafiam o status quo.

Eleito democraticamente com essa plataforma, agora na Presidência Bolsonaro tem disparado contra alvos que pouco ou nada interferem na realidade dos mais de 200 milhões de brasileiros. Ao manter no Palácio do Planalto a postura do deputado ou do candidato, o presidente carrega para o mais alto cargo da República uma retórica que deveria ter sido arquivada com a abertura das urnas. É certo que uma parte dos seus eleitores vibra com a tese do confronto permanente emanada do guru da família Bolsonaro que vive nos Estados Unidos, mas ainda está por ser identificado no que tal estratégia contribui para o desenvolvimento ou a união de um país virtualmente estagnado e ainda fraturado pelas urnas.

Na Câmara, o deputado Bolsonaro era visto como um representante do baixo clero ou um parlamentar de comportamento exótico. Suas atitudes e declarações, por mais polêmicas que fossem, tinham repercussão limitada. Na Presidência, qualquer comentário ou iniciativa do chefe de governo assume uma proporção de Estado que pode afetar desde a relação com potências estrangeiras até votações no Congresso cruciais para o futuro da administração.

É fato que o presidente se mostra pouco afeito a temas econômicos e políticos, nos quais comete uma série de tropeços e produz desgastes desnecessários dentro e fora do governo. No entanto, o entorno do presidente deveria atentar para as lições históricas, como a legada por Jânio Quadros, que também se elegeu com base em temas de costume e no combate à corrupção, mas acabou lembrado em seu curto mandato apenas pelas esquisitices, como condenar biquínis e rinhas de galo.

O menu de problemas reais do Brasil é enorme e urgente. É nele que o presidente deveria se esforçar para colocar toda a sua atenção e perseguir um mínimo de unidade nacional na busca de soluções. Do combate ao crime organizado ao desemprego, passando pelo desequilíbrio fiscal e a baixa qualidade da educação, Bolsonaro tem muitos leões por dia para matar. Deveria se dispensar, portanto, de criar outras frentes de crise e voltar o foco para o que realmente pode fazer diferença na vida de todos os cidadãos, eleitores seus ou não.

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