quinta-feira, 18 de abril de 2019



18 DE ABRIL DE 2019
L.F. VERISSIMO

Como era Paris

Nada identificava Paris como a Torre Eiffel, os Champs-Élysées e a Notre-Dame. E as pessoas vinham de Paris com histórias inacreditáveis. Em Paris as mulheres fumavam na rua. Em Paris viam-se casais se beijando (na boca!) nos bancos de praça. Também se comentava que os parisienses não gostavam muito de banho e que viajar apertado com eles num metrô era um teste de tolerância com os cheiros dos outros. Mas isto talvez se devesse à escassez de água quente nos prédios antigos, onde elevador também era uma raridade.

Quem vinha de Paris falava muito nas caves, porões em que se conversava, bebia-se vinho, às vezes se ouvia jazz e, acima de tudo, fumava-se, fumava-se muito. Falava das concierges dos velhos prédios, uma raça conhecida pela sua misantropia, que só perdia em rabugice para motoristas de táxi, mas que era quem fazia a cidade funcionar. Parisienses eram irritadiços e impacientes com estrangeiros. Em compensação, você podia sentar numa mesa do Café de Flore ou do Les Deux Magots, no Boulevard Saint-Germain, pedir um cafezinho e passar a tarde, esperando que o Sartre e a Simone de Beauvoir começassem uma briga na mesa ao lado.

Algumas coisas não tem mais. Não se sabe que fim levaram as velhas concierges, todas substituídas por portuguesas ou portugueses. Especula-se que estejam todas num retiro onde passam o tempo se intrigando mutuamente. Os motoristas de táxi, pelo menos na nossa experiência, civilizaram-se. Há água quente para quem quiser. Um problema persistente é o despreparo da cidade para enfrentar o calor: só agora o ar refrigerado se banaliza, certamente por exigência dos turistas. O Café de Flore e o Deux Magots continuam lá, mas são poucas as probabilidades de o turista ver alguém conhecido. A não ser algum turista da sua própria cidade, claro.

Quando conheci Paris, os ônibus ainda eram aqueles com uma sacada atrás. Se você perdesse o ônibus, podia persegui-lo e tentar pular na sacada - coisa que, mesmo com 60 anos menos, eu nunca fiz. Lembro da primeira vez em que saí do buraco do metrô e dei com os Champs-Élysées, e de repente tudo o que eu tinha ouvido contar da cidade e seu cosmopolitismo se materializou ali na minha frente, na grande avenida. Eu estava, decididamente, em outra ideia de urbanismo, em outra ideia de civilização. Um pouco disso pode ter desabado com o teto da Notre-Dame, mas sua reconstrução estará em breve em alguma outra lista de memórias.

L.F. VERISSIMO

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