sábado, 20 de abril de 2019



20 DE ABRIL DE 2019
CARPINEJAR

Banalização da troca de presente

Há uma epidemia da troca de presente. Você dá um presente para alguém e ele resolve usar o valor para um novo produto. Na maior desinibição. Na maior cara-de-pau. Antes a troca de presente era em último caso, situação derradeira, quando o regalo tinha um defeito de fabricação ou não servia de jeito nenhum, nem com a ajuda de terceiros. No máximo do descontentamento, passava-se adiante o mimo.

Agora não, qualquer um troca organicamente, para conferir na loja se não tinha algo melhor. De repente, até gostou do que recebeu, mas imagina que pode se surpreender com o estoque e descobrir um item ainda mais adorável. O presente virou um vale-presente. Virou dinheiro. A etiqueta da troca é só moeda, desprovida de valor sentimental.

Estamos jogando fora o carinho junto com a embalagem: o sentido de reconhecimento, de pertencimento, de gratidão a um amigo ou namorado ou familiar que dedicou horas de seu dia escolhendo uma lembrança.

Não valorizamos nem o tempo gasto de quem comprou o presente, há um materialismo vaidoso de não admitir qualquer objeto diferente ou estranho de nossos hábitos.

Assim como não tiramos mais fotos, mas selfies, apenas nos enxergando em primeiro plano, também não aceitamos mais nenhuma surpresa. Tudo o que temos precisa vir de nossas próprias mãos e de nossas predileções.

O presente é hoje um autopresente. Reforça-se em adquirir o mesmo do guarda-roupa, o mesmo da estante, o mesmo de sempre. Toda extravagância é abolida. Emprega o que se ganhou como entrada para aquilo que se deseja. Tanto faz a ternura simbólica de uma encomenda ou o texto do cartão explicando a escolha - são irrelevantes perto do consumismo desenfreado, de alcançar incessantemente os próprios prazeres.

A banalização da troca de presente não corresponde a uma maior personalidade do consumidor, que não fica com aquilo que tem dúvida, porém é uma manifestação clara de egoísmo e de falta de solidariedade. Imagine o caos que seria no mar se Nossa Senhora dos Navegantes devolvesse as oferendas de seus fiéis quando não fossem, exclusivamente, rosas vermelhas.

Vem ocorrendo uma distorção do significado da homenagem. Presente não é dar o que o outro gosta - porque ele pode comprar sozinho a qualquer momento -, é dar o que você gosta para o outro, é dar-se para o outro, é entregar parte de sua vida para ampliar a vida do outro.

CARPINEJAR

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