02 de janeiro de 2016 | N° 18402
CLÁUDIA LAITANO
O sábio e o bobo
“Não devias ter envelhecido antes de ficares sábio”, diz o Bobo ao velho, porém bobalhão, Lear. Shakespeare, que mal havia chegado aos 40 quando escreveu Rei Lear, morreu antes de ficar velho (no mesmo dia do seu aniversário de 52, há 400 anos), mas já havia percebido que há basicamente dois jeitos de envelhecer: piorando ou melhorando.
Quanto mais envelheço, mais penso e me inquieto com isso – por motivos óbvios. Na vizinhança dos 50, não é preciso ser (ou ler) Shakespeare para conhecer uma variedade respeitável de tipos humanos. Amigos de infância ou da primeira juventude, parentes e mesmo celebridades com os quais a gente parece ter convivido desde sempre envelhecem diante dos nossos olhos, muitas vezes de forma surpreendente.
O garoto brincalhão que era o piadista da turma pode virar o mal-humorado do grupo. A menina que não saía de casa sem maquiagem se transforma na velha dos gatos. O executivo estressado se muda para o Interior e vira guru da vida alternativa. Uns vão ficando amargos, tristes ou apáticos com a passagem do tempo, outros tornam-se joviais, calorosos, otimistas. E nem sempre somos capazes de prever, pela juventude que tiveram, quem será sábio como o Bobo ou bobo como Lear.
Algumas mudanças são lentas, outras abruptas, e a diferença entre “piorar” e “melhorar” é obviamente subjetiva e depende dos significados que escolhemos emprestar para o termo sabedoria. Para isso, também nos vale o velho Shakespeare. Seu Lear nos ensina que a vaidade excessiva torna o homem velho patético.
Porque não há nada mais triste do que envelhecer agindo da mesma forma que um menino de dois anos, convencido de que o dia anoitece para que ele durma, e o sol nasce para que ele possa brincar na rua. Sábio é aquele que aprende todos os dias a ser um pouco menos autocentrado, porque esse é o aprendizado mais difícil de todos e pode demorar uma vida.
Outro sinal de que faltou sabedoria na velhice é negar as mudanças precipitadas pela passagem do tempo. O velho chato, aquele que ninguém quer ter por perto, é o que apenas cobra e se lamenta – e nunca lembra de oferecer ajuda. Já o sábio é o que refaz seus cálculos o tempo todo porque sabe que qualquer estabilidade desfrutada no passado (dinheiro, trabalho, amor, família...) é passageira – e não culpa ninguém pelo que mudou ou ruiu no caminho.
Neste dia em que ainda nos move alguma vaga intenção de mudança e a sempre renovada esperança de que o universo conspire a nosso favor nos próximos 365 dias, que Shakespeare nos inspire a trabalharmos duro, todos os dias, pela sabedoria possível. Enquanto há tempo.
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