sábado, 6 de setembro de 2014


06 de setembro de 2014 | N° 17914
NÍLSON SOUZA

DEVORADOR DE GERAÇÕES

Não uso relógio. Já não usava antes do celular e da proliferação de marcadores digitais por equipamentos eletrônicos, paredes e termômetros de rua que alternam graus e horas. Se era um intuitivo recurso psicológico para não ver o tempo passar, me ferrei. Hoje os segundos correm implacáveis para qualquer lado que se olhe. Estão na tela do computador, no painel do carro, na televisão, no forno de micro-ondas, nas vitrines e nas paredes dos prédios. Quem precisa de relógio no pulso com tanta exposição gratuita?

O robozinho que nos espiona na internet acha que eu preciso.

Tudo começou quando, preparando uma palestra para estudantes, resolvi utilizar imagens de relógios para ilustrar um episódio de mudança de paradigma numa atividade profissional. Foi na Suíça, que lá pelo início do século passado dominava o mercado mundial de relógios.

Aí, um cidadão daquele país inventou um modelo eletromecânico, que mais tarde resultaria no relógio digital. Os suíços não se interessaram pela engenhoca, mas japoneses e americanos aperfeiçoaram a invenção e passaram a produzir relógios muito mais baratos. Resultado: perda de liderança, fechamento de fábricas e desemprego em massa na indústria suíça.

Para explicar o quanto é importante perceber novas tendências, busquei no Google as imagens de dois relógios, um com ponteiros, outro digital. Foi o que bastou. Agora, tudo que consulto na internet vem acompanhado de reloginhos brilhantes, alguns a preços módicos, outros a preço de ouro, como se eu fosse um comprador obsessivo dessas maquininhas que, no dizer de Mario Quintana, costumam devorar gerações inteiras.

Senhor robô do Google, é um equívoco. Não quero saber de relógios! Já tentei lograr o buscador fazendo uma consulta sobre chocolates suíços, para, pelo menos, ser pressionado a comprar um produto saboroso, mas não adiantou: não consigo me livrar dos implacáveis medidores de tempo.


Acho que carregarei essa visão para a eternidade – que, na exata e inspirada definição do poeta, é um relógio sem ponteiros.

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