sábado, 6 de setembro de 2014


06 de setembro de 2014 | N° 17914
MOISÉS MENDES

Os sabiás de Paris

Osabiá dos altos da Aberta dos Morros começou a cantar no domingo. O canto dos sabiás é o aviso de que a vida dos asmáticos, maltratada a cada agosto, ficará melhor a partir de outubro. Sabiás anunciam que haverá mais ar para os asmáticos.

O meu sabiá acomoda-se num jacarandá e canta no máximo por uns 10 minutos. Depois, desaparece e deve ir cantar em outra freguesia. É provável que controle vasto território, tenha duas famílias e vida complicada.

Um sabiá cantando às 6h de segunda-feira, numa semana que começa com chuva, é capaz de dividir sentimentos entre a crueldade humana e a mais lírica compreensão do que é a natureza.

Conheço gente que acha que um sabiá só é fofo se estiver cantando longe, num Globo Repórter sobre as mais afinadas aves do mundo. Mas também é preciso pensar que aquele canto é um sinal de que o entorno ainda tem árvores e vida preservada.

Para consolo, um sabiá se esgoelando no lusco-fusco de uma segunda-feira não é nada perto da ressaca do som do caminhão do gás indo e vindo, sábado e domingo, com a música torturante do lacre verde da BR Petrobras. Ou o som da casa do vizinho, todo fim de semana, alternando Luan Santana e os sertanejos universitários.

Um sabiá é um Sílvio Caldas numa hora dessas, mesmo que poucos saibam hoje quem possa ter sido Sílvio Caldas. Ainda bem que continuam existindo sabiás, bem-te-vis, caturritas e tarrãs (mas não sei se identifico um pintassilgo).

Todo ano, nesta época, escrevo sobre os sabiás. Estava meio sem assunto desta vez, até que li a crônica do Luís Augusto Fischer aqui na Zero.

Fischer foi morar em Paris. Escreveu sobre as crianças que espantam pombas nas ruas. Contou que ainda não viu os pardais da cidade e que ficou sabendo pelo Facebook que os sabiás já andam infernizando as madrugadas porto-alegrenses.

Em Paris, pombas, pardais e até os morcegos da Notre Dame têm grife. As pombas da Basílica de Sacre Coeur podem fazer cocô na sua cabeça e você achará que isso também é Paris.

Agora, transfira a situação para as pombas de Porto Alegre que batizam quem passa sob as marquises dos prédios degradados do Centro. Há pombas e pombas.

Espero que o Fischer esclareça a suspeita, presente na mesma crônica, de que os pardais do Rio descendem de pardais importados de Paris, no começo do século 20, pelo prefeito Pereira Passos.

Os sabiás da Aberta dos Morros, pelo que me contam, são oriundos de famílias do Morro da Cuíca, em Belém Novo.

E, para finalizar, há versões do sabiá em Paris. Entrem no YouTube com esta busca: le chant du merle. Tem sabiá francês pra todo gosto. O meu sabiá da Aberta dos Morros é um Charles Aznavour perto desses sabiás parisienses.

Fiquei feliz com a faceirice do Sergio Faraco com o troféu Guri, na festa da RBS na Expointer. É o maior contista brasileiro vivo e é do Alegrete. Eu só repito (e concordo) o que está consagrado.

Faraco lembrou no discurso que todo alegretense é um pouco convencido. Até pode ser.


Eu ouvi muito no Alegrete que pros lados do subdistrito do Catimbau estão os sabiás com o canto mais grave do Brasil. Mas aí já não sei e não me meto, porque nesse caso pode ter algum exagero.

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