06 de setembro de 2014 |
N° 17914
CLÁUDIA LAITANO
Enredados
O que um vídeo terrorista
produzido lá onde o diabo se esconde e uma fotografia destinada ao deleite
exclusivo (e mundialmente invejado) do namorado de uma atriz famosa podem ter
em comum? Há 20 anos, talvez não muito. Hoje, um vídeo divulgado pelo Estado Islâmico
como demonstração de poder e uma foto íntima roubada de uma jovem celebridade
compartilham pelo menos dois fatores essenciais para entender a complexa
colmeia humana em que vivemos:
1) Pornografia da violência e
pornografia do sexo aparentemente despertam altíssimo interesse entre os
usuários da rede e 2) A decisão de consumir ou não esse tipo de conteúdo deixou
de dizer respeito apenas à esfera privada para tornar-se, cada vez mais, um
gesto público, político, ético. Clicar ou não clicar, eis a questão.
Na nossa colmeia de favos
conectados e interdependentes, a maneira como nos comportamos privadamente,
dando audiência ou não a um determinado conteúdo, formata as forças que se
tornam hegemônicas no ambiente digital. Quanto mais lixo varrermos para dentro
de casa, mais lixo será produzido para o nosso consumo coletivo.
Estado, Igreja, Mídia,
Multinacionais, os vilões de passeata tradicionais, continuam vivos e atuantes,
mas perderam boa parte do seu poder de influência global para aquele sujeito
comum, com o nariz sempre grudado em uma tela luminosa, tentado a morder todas
as iscas que caem a sua frente. Acusações políticas de baixo nível: clique.
Fotos roubadas: clique. Propaganda terrorista: clique. Bullying virtual:
clique.
A internet não está inventando
uma nova raça humana, mas impõe novas formulações para velhos problemas. No
fundo, as grandes questões são sempre as mesmas e envolvem o indivíduo e o
controle dos seus impulsos, o indivíduo e sua responsabilidade com o coletivo –
assim como as regras que esse coletivo estabelece para regular a convivência de
todos.
Estamos hoje tão enredados uns
nos outros que mal conseguimos perceber como o menor gesto individual – um
clique, apenas um clique – tem o impacto de um voto em uma eleição. Podemos ser
contra o ataque à privacidade e ao compartilhamento público de conteúdo
roubado, mas estamos fazendo o criminoso se sentir o cara a cada clique na foto
de Jennifer Lawrence. Parece óbvio, não? Mas explique isso para o senhor de
paletó e gravata entediado no meio do expediente – e para todo o resto da
torcida do Flamengo.
O fato é que ainda não aprendemos
a gerenciar o condomínio digital em que vivemos boa parte de nossas vidas de
forma a eliminar os resíduos tóxicos que se produzem ali, em ritmo alucinante,
todos os dias. Dar-se ao trabalho de pensar e tomar decisões morais bem na hora
em que queríamos estar apenas nos distraindo antes de voltar ao batente torna a
vida mais complicada e chata – é verdade.
Mas pense nas redes sociais como
uma imensa e planetária reunião de condomínio: se você deixar toda a
responsabilidade de decisão para os outros, periga entregar a administração do
prédio para a tiozinho lunático do 101 ou para o adolescente onanista do 909.
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