13
de novembro de 2013 | N° 17613
EDUARDO
VERAS
Traço interrompido
Quando
menino, meu personagem favorito nos gibis da Disney era o Zé Carioca (só o
Morcego Vermelho, com alguma sorte, se comparava a ele). Não era, porém, de
todas as histórias do Zé Carioca que eu gostava. Eu percebia, garoto ainda, que
havia diferenças entre elas.
Eu
preferia as narrativas que muito claramente se passavam no Brasil, com tramas
que se desenrolavam em torno de assuntos como Loteria Esportiva, Carnaval,
futebol de várzea ou algum expediente meio tramposo para arrumar dinheiro.
Imagino
que não era o fato de essas histórias serem tipicamente brasileiras o que fazia
delas as minhas favoritas. Nunca fui de arroubos nacionalistas (tampouco
gauchescos, faço questão de sublinhar). Aquelas histórias me pareciam, de fato,
mais divertidas do que as outras. Calhava de serem notadamente brasileiras. Coincidência,
talvez.
Ocorre
que existe aí, quem sabe, uma lembrança algo distorcida – teria mesmo que
reencontrar esses gibis, reler e comparar os quadrinhos, verificar quais
aventuras convenciam melhor, se havia mesmo algo de tipicamente nacional em
parte delas, e se isso lhes garantia algum charme extra.
Tenho
certeza, no entanto, de que essas histórias mais atraentes vinham desenhadas de
outra maneira. Isso, não esqueci, nem me confundo. A linha era mais solta do
que a das outras histórias da Disney. Era mais solta e, ao mesmo tempo, mais
curta. A linha que definia o contorno de um personagem quase nunca chegava a se
fechar, ela se interrompia, falhava.
Ficava
em aberto, meio que sorrindo. Havia, ali, leveza e uma certa economia. Isso
conferia aos personagens uma aparência mais livre e mais bem-humorada. Essa
figuração deixava os desenhos com um tom de quase esboço ou de inacabado, bem
diferente dos outros desenhos típicos dos quadrinhos da Disney, que pareciam
certinhos, sem erros, mas previsíveis e assépticos.
Foi
só muito tempo depois que descobri que meus quadrinhos prediletos eram obra de
Renato Canini – brasileiro, como o personagem, e morando aqui bem perto, em
Pelotas.
Sua
morte recente, aos 77 anos, em casa, vítima de um mal súbito, permitiu ao menos
que nos reconhecêssemos, nós, seus admiradores. Agora, tenho certeza de que
Canini era o Zé Carioca favorito de quase todo mundo.
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