
02
de novembro de 2013 | N° 17602
NÍLSON SOUZA
Gênesis
No
princípio era o verbo. Aí o homem conjugou-o com o predicado e os complementos
para escrever frases, parágrafos e, finalmente, uma história inteira. E o homem
viu que isso era bom. Então, pensou que aquele relato tão precioso poderia
entrar por um ouvido e sair pelo outro do seu interlocutor, perdendo-se para
sempre. Resolveu registrá-lo na pedra. Era muito trabalhoso. Usou então a
argila, mas na primeira chuva seu trabalho foi por água abaixo.
Veio
o papiro e, logo em seguida, o papel, mas era uma mão de obra copiar o mesmo
texto várias vezes para possibilitar que chegasse a um número maior de pessoas.
Aí o alemão aquele bolou o tipo móvel e ficou mais fácil de armazenar as
letrinhas no seu invólucro perfeito, um bloco de folhas finas protegido por
capas mais grossas, fácil de manusear, fácil de carregar, facílimo de ler.
O
homem, então, criou o livro. Soprou a poeira de sua superfície e deu-lhe vida
própria.
Estava
criado um objeto mágico, capaz de abrigar todo o conhecimento do universo,
todas as emoções humanas, todas as realidades e todos os sonhos, toda a
imaginação e todas as aventuras, todas as crenças e todo o ceticismo.
Tudo
pode ser encontrado nessa verdadeira caixinha de surpresas: a origem do mundo e
a origem das espécies, a guerra e a paz, o som e a fúria, o orgulho e o preconceito,
o senhor das moscas e o senhor dos anéis, a ilíada e a odisseia, a divina
comédia e a comédia da vida privada, a interpretação dos sonhos e o sonho
eterno, a matéria escura e a luz de agosto, o homem invisível e o homem que
calculava, a idade da inocência e a idade da razão, o pequeno príncipe e o
grande mentecapto, a revolução dos bichos e a revolução do amor, as mil e uma
noites e cem anos de solidão.
É,
também, o endereço comum de personagens reais ou fantásticos que em algum
momento cruzaram por nossas vidas: Dom Quixote de La Mancha, Sherazade, Harry
Potter, Ulisses, Lolita, Madame Bovary, Hamlet, Otelo, Frankenstein, Dorian
Gray, Peter Pan, Ed Mort, Sherlock Holmes, James Bond, Robinson Crusoé,
Gulliver, Percy Jackson, Ana Karenina, Capitu, Blimunda, Fausto, Aureliano
Buendía e centenas de outros que habitarão para sempre os nossos corações e
mentes.
O
livro, essa divina criação humana, esse enigma a ser decifrado, esse manual de
civilidade, esse objeto perfeito que haverá de resistir ao apocalipse digital,
espera por nós entre os jacarandás floridos do jardim do éden gaúcho, que
modestamente chamamos de Praça da Alfândega.
Nenhum comentário:
Postar um comentário