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sábado, 3 de novembro de 2007
04 de novembro de 2007
N° 15408 - Martha Medeiros
Matando a saudade em sonho
Como vencer a saudade com algo que seja mais parecido com presença? Através do sonho
A saudade não tem nada de trivial. Interfere em nossa vida de um modo às vezes sereno, às vezes não. É um sentimento bem-vindo, pois confirma o valor de quem é ou foi importante para nós, e é ao mesmo tempo um sentimento incômodo, porque acusa a ausência, e os ausentes sempre nos doem.
Por sorte, é relativamente fácil exterminar a saudade de quase tudo e de quase todos, simplesmente pegando o telefone e ouvindo a voz de quem nos faz falta, ou indo ao encontro dessa pessoa.
Ou daquele lugar que ficou na memória: uma cidade, uma antiga casa. Podemos eliminar muitas saudades, enquanto outras vão surgindo.
A saudade do gosto de uma comida, de um cheiro do passado, de um abraço. Há muitas saudades possíveis de se conviver e possíveis de matar. A única saudade que não se mata é a de quem morreu. Matar, morrer. Que verbos macabros para se falar de nostalgia.
Já ouvi vários relatos sobre a saudade que se sente de um pai, de um avô, de um filho, de uma amiga, dos afetos que nos deixaram cedo demais - sempre é cedo para partir, não importa a idade de quem se foi.
Ficam as cenas guardadas na lembrança, mas elas se esvanecem, recordações são sempre abstratas.
De concreto, palpável, tem-se as fotos e as imagens de gravações caseiras, mas de tanto vê-las, já não vemos. Já a sabemos de cor. Não há o rosto com uma expressão nova, a surpresa de um gesto inusitado.
Como, então, vencer a saudade com algo que seja mais parecido com presença? Através do sonho.
Uma mãe que perdeu seu filho quatro anos atrás me conta que todos em casa sonham com ele, menos ela. Para sua infelicidade, ela não tem controle sobre isso, simplesmente não recebe essa bênção, e queria tanto.
E eu a entendo, porque através do sonho a pessoa que se foi nos faz uma visita.
Pode até ser uma visita aflitiva, mas a pessoa está de novo ali, ela está interagindo, ela está sorrindo, ou está calada, ou está dançando, ou escapando de nossas mãos, mas ela está acontecendo em tempo real, que é o período em que estamos dormindo, e que faz parte da vida, e não da morte.
De vez em quando sonho com minha avó e sempre acordo animada por ela ter encontrado esse meio de me dar um alô, de me fazer recordá-la. Observo seu jeito, ouço sua voz e penso:
quem roteirizou esse sonho? De onde vieram suas palavras para mim?
A resposta lógica: meu inconsciente falou através dela, só que isso tira todo o encanto da cena. Prefiro acreditar que ela é que esteve no comando da sua aparição, me dizendo o que tinha para dizer, nem que fosse uma frasezinha à toa.
Um colega de trabalho falecido há 20 anos num acidente de carro também já me apareceu em sonhos algumas vezes, e quando isso acontece acordo com a sensação de que morte, mesmo, é esquecimento:
enquanto eu abrir as portas do sonho para ele entrar, meu amigo seguirá existindo.
Nesse feriado de Finados, o que se pode desejar para os inúmeros saudosos de mães, de maridos, de netos? Que os sonhos abracem a todos.
Um excelente domingo ensolarado para todos nós.
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