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sábado, 24 de novembro de 2007
24 de novembro de 2007
N° 15428 - José Pedro Goulart
Dako é bom?
Feriado na cidade. Que tal levar a filhinha de quatro anos no parque? Instantânea e simples felicidade. Toda emoção do mundo cabe no carrossel - meio gasto, mas garboso - , na roda-gigante, na minimontanha-russa - alegria/alegria: o sol se reparte em crimes, espaçonaves, guerrilhas...
A espera na fila de um brinquedo não é fácil para um infante. Para amenizar, os alto-falantes espalham um som sacolejante. De maneira que as crianças ficam ali, cantando a música que está tocando.
No caso: "Entrei numa loja, estava em liquidação... fogão na promoção. Escolhi da marca Dako, porque Dako (pronuncia-se dacu) é bom, Dako (pronuncia-se dacu) é bom.
Enquanto minha filha cantava "Dako (pronuncia-se dacu) é bom" sem qualquer malícia, eu, junto aos meus botões, entrei em desassossego. Talvez um pouco provocado por dois rapazes na fila que, com suas namoradas, cantavam com aquele sorriso seboso que é comum em momentos assim.
Imaginei um diálogo com o responsável pelo parque: "Hei, amigo, você não acha essa música inapropriada para o lugar e a faixa etária das crianças?" E o sujeito: "E o quê que o senhor queria ouvir, o padre Marcelo?".
Fiz um rápido diagnóstico dos meus sentimentos e constatei que eu estava com uma espécie de "depressão Daslu", isto é, meu lado chique me obrigava a abanar a cabeça para um lado e para outro, havia nos meus lábios um sorriso superior que camuflava uma certa condescendência, uma certa resignação compulsória com tudo aquilo.
E antes que isso me fizesse desfraldar a bandeira do "Cansei" ou fazer campanha do Luciano Huck para presidente da república com a Narcisa Tamborindeguy de vice, procurei me controlar e tirar da cabeça aquela autopiedade pretensiosa.
Ainda por cima, notei que o meu pé esquerdo, alheio às minhas filosofices, acompanhava o ritmo da música sem minha autorização. Aí já era demais: dei-lhe um pisão com o outro pé.
A errática aventura no parque continuou, desta vez com uma discussão real junto à barraca do tiro ao alvo, depois de uma vã tentativa de realizar um súbito e inadiável desejo de uma menina por um boneco de pelúcia.
Foram três rolhadas certeiras! Só que a caixinha com o ursinho continuava imóvel. Reclamei, pedi ressarcimento.
O responsável disse o seguinte: "O problema não está na frente do balcão (a pressão da arma, a caixinha muito longe do ponto de queda, etc.). O problema está aí, atrás do balcão (eu)." Foi isso que ele disse, assim, sem mais nem menos. Liguei para o Procon: feriado.
Chamei o gerente do parque, ele me deu razão. Pediu desculpas e quis devolver o dinheiro. Eu quase estava resgatando minha esperança na humanidade quando ele concluiu: "Já disse pro dono que não dá para contratar nordestino".
O fim do feriado coincidiu com o início lá em casa de um período que vem vitimando mais indivíduos na história do que todas guerras juntas: a TPM.
Imagino, inclusive, que esse era o motivo real para os homens arrastarem as mulheres pelos cabelos nos tempos das cavernas.
E na minha caverna, se vocês me perguntarem qual o nível de intensidade do problema, eu diria que numa escala de zero a dez é melhor nem contar.
De modo que quando aquela desconhecida que habita o corpo da minha mulher durante o período em questão veio com aquele característico humor azedo e amalucado pensei que nessas horas uma atividade consumista é tiro e queda.
Então sugeri: "Querida, que tal um fogão novo? Ouvi dizer que Dako (pronuncia-se dacu) é bom".
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