sexta-feira, 16 de novembro de 2007



ENTRE DOIS ‘PRÍNCIPES’

As monarquias me repugnam. Não consigo entender qualquer sistema de liderança por hereditariedade. É muita responsabilidade fazer sexo quando se pode, a cada tentativa, gerar um déspota ou um idiota de tablóide.

Se eu fosse rei, nunca tiraria a camisinha. Faria parte do vestuário real. Nem tomaria Viagra. Só transaria depois de uma reunião com meu Conselho de Ministros. Cada ereção de um rei é uma espada de Dâmocles pendendo rígida sobre a cabeça dos seus súditos desprotegidos. Por algum tempo.

Depois, é muito pior. A monarquia é obscena. Sempre pode respingar alguma coisa sobre o povo incapaz de reagir ou de revoltar-se. Nas monarquias, o sexo é uma questão de Estado. Penso nisso quando leio sobre os filhos de Charles e Diana. Não é fácil ser inglês. Ter de suportar o cinza eterno de Londres, a comida nacional e a realeza. Haja humor!

Mesmo assim, como leitor voraz, sofri grande influência de 'O Príncipe'. O pequeno. Maquiavel sempre me impressionou menos que Saint-Exupéry, assim como Pelé sempre me encantou menos do que Garrincha e Maradona.

É verdade que os 'personagens' dos dois escritores possuem algumas semelhanças e que ambos os livros valorizam algum grau de bajulação. Maquiavel foi o primeiro grande marqueteiro da história. Saint-Exupéry antecipou o Louro José. Em todo caso, eu prefiro a raposa falante ao falante raposa.

Se a vulgata de Maquiavel cristalizou a idéia de que os fins justificam os meios, a idealização de Saint-Exupéry consolidou a noção de que cada um é responsável por aqueles que cativa. É o mesmo princípio pragmático e incontornável. Os resultados também podem ser equivalentes.

Na sociedade do marketing e da mídia, por exemplo, Maquiavel e Saint-Exupéry são as referências decisivas. Depois de Karl Marx e Lênin, embalsamados nas páginas dos seus livros, chegou a vez da verdadeira filosofia de auto-ajuda.

Não será mais necessário recorrer à auto-ajuda oriental (budismo, zen e todas aquelas filosofias de vida aparentemente muito sábias que jamais tiraram indianos e outros povos da desigualdade absoluta ou mesmo da miséria total).

O homem, transformado em telespectador, consumidor e eleitor, deve ser cativado por todos os meios para que o fim seja alcançado: a eleição daquele que o enganará pelo seu bem.

Formulação ambígua. Bem de quem? Que acham? Confesso que não sei. A 'servidão voluntária' tem sido o bem maior da humanidade ao longo dos séculos. Não é mesmo?

A minha sugestão para quem sonha em fazer sucesso é conciliar Maquiavel e Saint-Exupéry numa nova e revolucionária visão de mundo que poderia ser formulada assim: dado que os fins justificam os meios, cada um é responsável pelas antas que cativa.

Nunca Maquiavel esteve tão atual. Somente a vitória conta. Mas não nos enganemos, Maquiavel está no auge graças ao seu cruzamento com Saint-Exupéry.

O príncipe do florentino deveria ser grande. Para isso, atualmente, teria de incorporar o pequeno. Maquiavel escreveu para César Borgia. Eu, se me atrevesse a juntar Maquiavel e Saint-Exupéry, em 'O Príncipe Pequeno', escreveria para Luiz Inácio.

Depois da princesa do povo, o presidente do povo. Estamos cativados. Os fins justificam os meios. Espera-se, ao menos, que os meios não alterem o fim. De qualquer maneira, um príncipe é para sempre.

juremir@correiodopovo.com.br

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