quarta-feira, 28 de novembro de 2007



28 de novembro de 2007
N° 15432 - Paulo Sant'ana


O fim de tudo e de todos

Recebi ontem da revista Press o título de melhor colunista de jornal, empatado com o Fernando Albrecht, do Jornal do Comércio.

Subi ao palco e fiz o seguinte improviso:

Como dizia um gênio nosso, falecido recentemente, o Jayme Caetano Braun, num verso do poema Galo de Rinha: "Porque na rinha da vida/ já me bastava o empate".

Pablo Neruda, outro gênio, escreveu à sua amada: "Existem outras mais altas do que tu/ existem outras mais inteligentes do que tu/ e existem até outras mais belas do que tu/ Mas tu és a rainha".

Repetindo Neruda, quero dizer que o Juremir Machado da Silva é mais polêmico do que eu. O Fernando Albrecht é mais aguçado do que eu. O David Coimbra é mais fulgurantemente emergente do que eu. E indubitavelmente o Luis Fernando Verissimo é mais talentoso do que eu.

Mas eu sou o mais ansiosa e famintamente consumido pelo público todos os dias. Eu sou visivelmente o mais lido.

Então passa merecidamente para cá este troféu.

O médico e filósofo holandês que mata os pacientes terminais que suplicam para que ele acabe definitivamente com seus sofrimentos, na entrevista que deu para o Fantástico, surpreendeu-se que a entrevistadora estivesse tão espantada que um médico elegesse a morte como objetivo de seu trabalho, apoiado pela lei do seu país.

E minimizou os efeitos da morte: "Nós todos morremos todas as noites, quando dormimos. A morte não é outra coisa que o sono sem sonho.

E estas 25 pessoas que matei a pedido delas apenas mergulharam num sono definitivo. Não tem nenhuma importância para elas a sua morte, assim como não teve para o mundo a sua inexistência durante os 65 milhões de anos que decorreram na Terra antes que elas tivessem nascido".

Interessante o que o médico disse. Parece óbvia, mas é curiosa a comparação do sono com a morte.

E se a morte é o sono sem sonho, talvez o sonho então seja um aviso que recebemos, quando estamos dormindo, de que ainda não morremos. O sonho no sono, portanto, é um alento, uma manifestação de vida.

Eu gosto deste assunto porque sempre acreditei que com a nossa morte não é só a nossa vida que acaba. Acaba o mundo, acaba a vida dos outros também.

Não existe vida para os que sobrevivem a nós, só existe vida nos outros e em tudo quando podemos sensorialmente reconhecê-la.

Se nós morremos, tudo acaba também, as selvas, os mares, os ares, a Terra, os astros, os animais e todos os terráqueos. Porque eles só existem enquanto nossos sentidos os registram, tudo isso se apagará quando nós nos findarmos individualmente.

Não é assim nada megalomaníaca a idéia de que cada um de nós é o centro do mundo, o mundo só existe porque ele é captado pela nossa percepção.

E se com a nossa morte está extinta a nossa percepção, quando morremos fica decretado um Nada, só não definitivo porque dele emanará nova realidade quando outra criatura nascer ou outra coisa for criada.

Por essa minha teoria, as pessoas não têm nada que lamentar a possibilidade da morte, não há qualquer desperdício em deixar de viver.

Ninguém ficará aqui na Terra gozando a vida depois que morrermos. E também mais ninguém terá qualquer sofrimento.

Pelo motivo de que a vida nossa, de tudo e de todos só existe no curto e exíguo espaço que vai do nosso nascimento até a nossa morte.

Tudo o mais que nos cerca na vida só existe porque pertence ao nosso conhecimento e por isso vai morrer junto conosco.

Por essa minha idéia, o testamento é documento da mais completa inutilidade.

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