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terça-feira, 27 de novembro de 2007
27 de novembro de 2007
N° 15431 - Paulo Sant'ana
A morte piedosa
Outro dia, contarei sobre minhas experimentações com os médicos e medicamentos nos quatro dias em que estive hospitalizado no Moinhos de Vento.
Por sinal, saí do hospital com a convicção de que só há dois lugares do mundo em que circulam as idéias: o hospital e o fumódromo. Os outros lugares todos são um perigoso deserto de raciocínios.
Exatamente o hospital e o fumódromo são ideais para que se pense: eu verifiquei só agora que só pode pensar quem tiver tempo para pensar.
Quem ama não tem tempo para pensar. Quem trabalha não tem tempo para pensar.
Só quem está sozinho num leito de hospital ou quem está compartilhando com outras pessoas o prazer de fumar, conversando, num fumódromo, lhe verá surgir uma idéia aproveitável ou magistral.
Estava eu no meu catre hospitalar de cabeceira reclinável, quando apareceu na tela de televisão o programa Fantástico. Eu, para ver o Fantástico, só se estiver no leito de enfermo.
E aí uma repórter entrevistou um médico e filósofo holandês que pratica a eutanásia em pacientes terminais, é preciso tanto notar que na Holanda é permitido o assassinato piedoso de doentes terminais quanto que aquele médico idoso só mata os pacientes terminais que imploram para serem mortos.
Foi quando a repórter fez ao médico e filósofo a pergunta mais imbecil que já ouvi em toda a minha vida: "O senhor, que é médico e estudou e se preparou para salvar vidas, como então mata as pessoas?".
O médico não deu uma resposta satisfatória, mas eu levantei do meu leito hospitalar e gritava pela sacada: "Será que essa menina tola não vê que, quando se trata de um doente terminal que pede para ser morto, salvar a sua vida significa matá-lo?"
Eu, por sinal, vou mais adiante na questão da eutanásia, que me apaixona, há muitos anos.
Tecnicamente, aqui no Brasil, um médico que praticar eutanásia num paciente responderá na Justiça Criminal por homicídio.
Errado, erradíssimo, qualquer dia vou me mudar para a Holanda, ando numa fase em que a qualquer momento devo convocar um médico para pôr fim a este meu suplício terreno.
É antiga a minha tese, convalidada inteiramente pelo Código Penal, que não pune a autoflagelação e a tentativa de suicídio, de que pertence ao indivíduo, somente a ele, o direito de dispor sobre sua própria vida, podendo até impunemente tentar eliminá-la.
E eu vou tão longe nesta minha convicção, que afirmo audaciosamente que eutanásia e suicídio para mim são sinônimos.
Então por que esta estultice de condenarem-se médicos pela eutanásia no Brasil?
Decidi agora que vou escrever mais amanhã sobre este médico holandês que é chamado pelos pacientes terminais ou por suas famílias para, numa decisão dos pacientes, matá-los.
Porque o espaço de hoje não é o bastante para dissecar este assunto intelectual, jurídica e filosoficamente empolgante.
Acontece - e isto tenho explicado até mesmo a médicos estupefatos - que a palavra médico é originada do vocábulo latino "medicare".
E sabem o que quer dizer "medicare", em latim? Eu pensei que era curar.
Mas não é curar. Em latim, "medicare" quer dizer tirar a dor.
Ou seja, o primeiro e fundamental dever do médico não é curar, é tirar a dor. Curar ou não curar fica para depois.
E no caso da eutanásia, portanto, meus queridos leitores, o médico tem de ter o direito, ainda mais quando a pedido do paciente terminal, de tirar-lhe a vida, pois só assim acabará com seu cruel e insuportável sofrimento.
Não há outra verdade.
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