Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
terça-feira, 27 de novembro de 2007
27 de novembro de 2007
N° 15431 - Liberato Vieira da Cunha
Qualquer coisa chamada de vida
Como era o mundo antes da internet? Era estranho, as pessoas conversavam. Elas comunicavam umas às outras sonhos, desejos, sentimentos.
Havia uma instituição que as aproximava, mesmo nas cidades grandes. Chamava-se visita. Hoje você diz a um amigo ou a uma amiga: qualquer dia eu apareço lá. Trata-se de uma vaga promessa, de uma expressão de simpatia, de um ritual de vaga cordialidade.
Em outras épocas, não. Se você falasse que iria aparecer, aparecia mesmo. Não telefonava antes, não se anunciava na portaria do edifício, simplesmente pressionava a campainha do apartamento (ou da casa, o que era mais comum) e era recebido com uma alegria genuína e pura que o culto à privacidade matou.
A visita era mais do que a internet. Era a novela das oito daquele tempo. Quietão como sempre fui, me fascinava ficar em um canto da sala ouvindo anfitriões e inspecionantes. Conversavam sobre o quê? Sobre Deus, o Diabo e a Terra do Sol, o que significava que acerca de absolutamente tudo.
O acontecimento do dia, o clima, a política, a economia, algum ecoante caso policial, o escândalo mais recente, o custo de vida, namoros e desnamoros, livros, filmes, peças, nada escapava aos conversantes, com certa inclinação aos temas que propiciavam uma entonação de ironia ou de malícia.
Mencionei os inspecionantes. Era um grupo onipresente. Pois enquanto alguém comentava Um Certo Sorriso (a obra de Françoise Sagan) ou Désirée, o Amor de Napoleão (estrelando Marlon Brando e Jean Simmons), os inspecionistas inspecionavam.
Isso queria dizer que examinavam o rádio Telefunken, o vaso de cristal mais ou menos tcheco, as cortinas de tule, ou qualquer demais sinal de prosperidade ou decadência dos hospedeiros.
Faziam isso sem malquerença; faziam por puro hábito, já que observar era também um modo de visitar.
E eu quieto no meu canto, impressionado com aquele teatro que se desenrolava ao meu redor, rindo de alguma tirada humorística, seguindo o enredo de uma fita, acompanhando o final inesperado do romance de uma vizinha.
Pensando bem, tudo isso era melhor do que a internet. Pois se compunha de algo ausente da telinha. Qualquer coisa chamada de vida.
Uma ótima terça-feira ensolarada por aqui.
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