quinta-feira, 22 de novembro de 2007



22 de novembro de 2007
N° 15426 - Luis Fernando Veríssimo


"Matem o cavalo!"

O filme Viva Zapata (dirigido por Elia Kazan, escrito por John Steinbeck, com Marlon Brando no papel do revolucionário mexicano) termina com a morte de Zapata numa emboscada dos "federales".

O antigo aliado que o traiu, um intelectual vivido no filme por Joseph Wiseman, insiste para que os soldados não deixem escapar com vida o cavalo branco de Zapata.

"Matem o cavalo! Matem o cavalo!", grita, em vão. A última cena do filme é a do cavalo branco solto numa montanha, um símbolo não muito sutil do espírito que sobreviveu ao sacrifício do seu dono para inspirar outras gerações e outras revoltas.

O intelectual entende que símbolos são perigosos e que não basta abater o homem para anular o exemplo. É preciso trucidar a sua memória, emporcalhar a sua legenda e apagar qualquer vestígio simbólico da sua rebeldia.

Parecido com o que está sendo feito entre nós com o Che Guevara, que, de acordo com a revisão atual, não só cheirava mal como era um péssimo caráter.

É difícil entender por que estão tentando matar este particular cavalo branco agora. Se Che simbolizava alguma coisa, nos últimos anos, era a absorção de todas as formas de revolta pela cultura pop.

O ex-ícone da esquerda era visto principalmente nas paredes e camisetas de gente que jamais sonharia em ir para as montanhas, a não ser pelo fondue de queijo. E no entanto o empenho em desmitificá-lo, e desmistificá-lo, é evidente.

Do que será que estão com medo? O que assombra tanto o neomacarthismo, a ponto de atirarem com tanta fúria contra um defunto de 40 anos?

Talvez seja o caso de rever o significado da figura do Che, e do seu exemplo de idealismo e inconformismo, entre as novas gerações. Talvez a direita esteja vendo um cavalo branco solto por aí que nós não vemos.

Quanto ao filme Viva Zapata, é um bom exemplo da romantização do proletariado que o cinema americano fez bastante - em mais de um caso, baseado em textos do mesmo Steinbeck.

Brando e Anthony Quinn (que ganhou um Oscar pela sua interpretação do irmão de Zapata) estão ótimos no filme, e Wiseman está perfeito como o intelectual traidor.

Mas a romantização de revoluções alheias não dá em muita coisa além de bons filmes. Nota histórica: "Zapata" foi o nome de uma das suas empresas escolhido por adivinha quem? George Bush, o pai.

O nome chegou a aparecer numa das tantas teorias conspiratórias sobre o assassinato do Kennedy. Não adianta, o capitalismo absorve tudo. O que só torna maior o mistério. Do que será que estão com medo?

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