sexta-feira, 23 de novembro de 2007



23 de novembro de 2007
N° 15427 - Paulo Sant'ana(Marcelo Rech - Interino)


O emprego e o crime

Durante anos, nos empurraram um mito: a criminalidade só iria desabar quando o desemprego caísse e a renda fosse melhor distribuída.

Por essa tese, sem outra alternativa, os potenciais bandidos trocariam uma inútil carteira de trabalho pelo revólver para assegurar seu ganha-pão à margem da lei.

Pois os números da geração de empregos divulgados ontem e estampados nesta edição põem por terra a idéia de que a ferida da criminalidade se tornou uma chaga aberta em razão da falta de trabalho.

Em 2006, o Brasil criou uma quantidade recorde de vagas, a maior desde 1985, quando o indicador começou a ser mensurado. Não menos alentador, a massa salarial do país subiu no ano passado 11,97%, a maior alta desde o auge da fartura do Plano Real, em 1996.

Se há tantas notícias alvissareiras na economia, por que a criminalidade não despenca na mesma proporção? Pior: por que o número de furtos e roubos, na direção oposta do emprego e da renda, aumenta a olhos vistos em todas as partes do país?

Ao contrário do que nos apregoava um discurso vesgo e conformista que há décadas atrasa o combate ao crime, a bandidagem não é irmã siamesa do desemprego e da miséria.

Eles têm parentesco distante, mas a associação univitelina do crime é, na verdade, com a convicção da impunidade e com a perda de valores morais e das raízes familiares.

Fosse a miséria a grande causadora da criminalidade, nações paupérrimas da África seriam territórios tomados por bandidos. Muitas não são. Há alguns anos, junto com o fotógrafo Ricardo Chaves, percorri a Zambésia, uma das regiões mais miseráveis de Moçambique, reconhecidamente um dos campeões da pobreza mundial.

Viajávamos suarentos por estradas empoeiradas em cima de um Urutu da missão militar brasileira a serviço da ONU quando me chamou a atenção que vez por outra despontava no campo uma casa de bom padrão mas que parecia abandonada.

As moradias tinham pertencido a fazendeiros portugueses, que deram no pé depois da independência. Perguntei a um moçambicano por que as legiões de miseráveis que vagavam pelas estradas não ocupavam as residências.

- Porque as casas não lhes pertencem - respondeu-me o nativo, olhos admirados pela pergunta, em seu peculiar sotaque do português de Moçambique.

Valores. Essa foi a resposta. Os moçambicanos mais miseráveis da região mais miserável da Terra cresceram em famílias onde os mais velhos lhes ensinaram que é muito feio tomar algo que não lhes é de direito. Aqui, milhares de crianças pobres são mandadas para as ruas com a missão de arrumar um troco, seja de que forma for.

E, quando voltam de mãos vazias para um ambiente de drogas, álcool e brigas, são espancadas. Não há futuro assim.

O mito da criminalidade guarda relação com outra lenda: somente em um país com boa educação haverá menos corrupção. Não podemos nos conformar com essa lengalenga e absolver o mau comportamento no mar da ignorância.

A União Soviética e a Cuba que conheci em longas viagens como repórter investiram muito - e tiveram muito resultado - na formação educacional de seus povos. Mas se mostraram também duas das nações mais corruptas da história recente.

A boa educação não desmanchou o sentimento do cidadão comum de que a única maneira de sobreviver ao Estado era passar a perna nele.

Educação, obviamente, é a base de tudo, mas não resolve um país por si mesma. Para desnutrir a corrupção, é preciso reduzir a quantidade de torneiras por onde escoa o dinheiro público e, nas poucas restantes, baixar a mão dura da fiscalização e da punição.

Deve ter sido o desempenho da Seleção contra o Uruguai. Pablo deu-nos um susto ontem ao sofrer uma indisposição e ser levado para o Hospital Moinhos de Vento.

Mas, cercado de todo o apoio médico e dos colegas, estará de volta a este espaço nos próximos dias.

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