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quinta-feira, 15 de novembro de 2007
15 de novembro de 2007
N° 15419 - Nilson Souza
O acordo
Um amigo me desafiou a escrever sobre a Morte justamente numa semana em que estive com seu cartão de visitas nas mãos. Na quarta-feira da semana passada, meu tio maranhense fez cem anos.
Dois dias depois, despediu-se suavemente do convívio de seus familiares, provavelmente para fazer a definitiva viagem de retorno à sua São Luís natal.
Estive na sua despedida, mais para testemunhar o encerramento de um profícuo século de existência do que propriamente para consolar meus queridos primos - todos eles conformados pela longevidade com que o pai fora agraciado.
Talvez tenha ido, também, movido pela jornalística e humana curiosidade de captar alguma informação sobre a fórmula mágica que transforma mortais comuns em enigmáticos centenários.
Nisso não tive sucesso.
Só ouvi o que já sabia: que meu tio fora na juventude um exímio nadador, tendo em seu currículo a façanha de ter permanecido horas ou dias sob um barco virado, em alto-mar, após um naufrágio.
Por aí já se percebe que esse homem deve ter visto a indesejável das gentes muitas vezes ao longo de sua passagem pelo planeta, sem jamais ceder-lhe aos encantos de sereia enganadora nem submeter-se ao seu jugo de bruxa das trevas. Todos sabemos o quanto ela é ardilosa para levar um pouco de nós a cada afeto que nos tira.
Mas meu tio tinha aquela resistência inflexível dos caboclos nordestinos. Já estávamos convencidos de que a havia derrotado pelo cansaço. Na última sexta-feira, porém, resolveu fazer um acordo com a Dama da Noite e partiu em sua companhia.
Não há muito para lamentar quando um homem empreende a derradeira viagem depois de sobreviver ao mar, atravessar o século, constituir família e conhecer os netos.
É evidente que ele cumpriu a sua missão por aqui. Por isso me lembrei dele quando meu amigo me desafiou a escrever sobre este tema, tão árido, que as pessoas preferem tratá-lo com eufemismos.
Eu também poderia dizer que meu tio voou para o firmamento, dormiu o sono eterno ou partiu desta para melhor, como é de costume nessas ocasiões.
Mas não quero saber para onde ele foi. O máximo que me permito é imaginar que deve ter ido para o lugar de onde veio. Prefiro lembrá-lo como o conheci, contando suas aventuras com o inconfundível sotaque maranhense e passando a impressão de que iria viver para sempre. Viverá, certamente, no coração daqueles que o amaram.
Talvez aí esteja a resposta para o desafio do meu amigo. Não dói nada escrever sobre a Morte quando ela aparece apenas como ponto final para uma bonita história de Vida.
Aproveite o feriado e se puder estique: descanse na sexta-feira, no sábado e no domingo. Afinal esse é um País rico, os bancos fundamentalmente, nunca ganharam tanto, e pode se dar ao luxo de tantos feriadões.
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