quinta-feira, 15 de novembro de 2007



15 de novembro de 2007
N° 15419 - Leticia Wierzchowski


Jorge (tão) Amado

"Depois que o Jorge se foi não há nada que me assombre", assim falou a escritora Zélia Gattai numa entrevista à Folha de S. Paulo. Convalescente, ela já foi internada 10 vezes desde janeiro desse ano. A viúva de Jorge Amado pode estar fraca, mas tudo o que disse era lúcido e encantador.

Zélia é a metade da laranja de uma das grandes figuras brasileiras - quando Jorge Amado morreu, o Brasil ficou mais sem graça. Para a Folha, Zélia falou de um casamento perfeito, de um homem alegre, uma história de amor digna das páginas de um romance ensolarado.

Numa das suas últimas internações, ela sentiu uma mão tocando seu tornozelo sobre a cama do hospital. Pensou que fosse Jorge, que viera vê-la desde o outro lado.

Mas João Ubaldo, que estava internado na mesma instituição, asseverou-lhe que não, que se aquela mão misteriosa fosse de Jorge Amado, certamente ela não teria findado seu passeio na panturrilha de Zélia... Adorei a história e concordo com ela.

Se uma alma pode voltar a este plano depois de desencarnar, é Jorge Amado. Aliás, eu tive durante muitos anos um bonequinho de porcelana que era uma miniatura dele, e guardava-o com muito carinho ao lado do boneco do Ubaldo, ambos comprados numa lojinha carioca.

Pois, um belo dia, meu Jorge Amado caiu da estante e se quebrou. Recebi a notícia da sua morte na noite desse mesmo dia, e nunca hei de esquecer essa estranha coincidência.

Bonecos quebrados à parte, o que me doeu na entrevista com dona Zélia foi confirmar que a casa de Jorge Amado, na Lagoa Vermelha, está abandonada.

Sem a verba necessária, a família não consegue manter o acervo e a casa do escritor em boas condições - triste destino para o terreno que abrigou Amado e tantos outros nomes, como Pablo Neruda, Vinícius de Moraes e Tom Jobim, e um dos pontos turísticos de Salvador.

Logo na entrada da casa, painéis de Caribé e orixás de Maria Cravo Jr. aguardam sob o sol baiano, esperando que a memória de Jorge seja cultuada como merece. No pomar repleto de pitangueiras, bananeiras e mangueiras é que repousam as suas cinzas.

"Quando eu morrer, quero ficar por aqui", era o que Jorge Amado sempre dizia. E ficou. Agora, deve acompanhar de perto esse triste desenlace. Somos um país que não cultua os seus - pensar a Bahia sem Jorge Amado é desbotá-la, apagar o viço das suas cores.

No entanto, lá no coração de Salvador, a herança do autor de Capitães da Areia e Gabriela, Cravo e Canela vai se deteriorando lentamente, sem que o governo ou a iniciativa privada tomem as devidas atitudes.

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