segunda-feira, 5 de setembro de 2022


05 DE SETEMBRO DE 2022
CAPA

Brado de mil encantos

Da criação até a longa trajetória ao sucesso, conheça histórias que falam da ascensão de "Querência Amada" a hino informal do Estado

Como se fosse uma regra de etiqueta, quando um artista popular visita o Rio Grande do Sul e quer agradar ao público local, convém tocar e interpretar Querência Amada. A música é uma bola de segurança, já que os gaúchos sempre respondem extasiados. Algumas vezes, é comum bradarem "Ah, eu sou gaúcho" na se- quência. Thiaguinho, Gusttavo Lima, KLB, Leonardo, Maiara e Maraisa e por aí vai: a lista de versões de Querência Amada em apresentações no Estado é extensa, o que se pode conferir em uma busca no YouTube. Porém, se hoje é um dos hinos informais do RS, a música só foi explodir anos após a morte de quem a criou.

Composta por Teixeirinha, é a segunda faixa do lado A do disco Aliança de Ouro, de 1975. Trata-se de um xote de exaltação ao RS, enfatizando a paisagem, as personalidades políticas, as mulheres, os gaúchos e até um pouco de autoafirmação, além de criar uma imagem divina regionalista ("Deus é gaúcho/ De espora e mango/ Foi maragato ou foi chimango").

Segundo o jornalista Daniel Feix, autor da biografia Teixeirinha: Coração do Brasil, Querência Amada reflete uma parte da persona do cantor e compositor, que incorpora em suas canções a ideia de exaltação da terra, o que inclui locais (Gaúcho de Passo Fundo, Xote Soledade e Capão da Canoa) e personalidades (de Presidente Médici a Ieda Maria Vargas com Miss Universo 63).

A música foi composta em um período de maturidade do artista, em que seu método de criação passou a variar. Feix descreve na biografia que Teixeirinha "escrevia em fluxo de consciência, registrando na ponta da caneta as ideias conforme surgiam em sua cabeça".

Só que além da canção (ele lançava pelo menos um disco de inéditas por ano), o cantor também desempenhava outras atividades - como no cinema e com seu próprio programa de rádio, Teixeirinha Amanhece Cantando. Por conta dessas demandas, a partir dos anos 1970, ele passou a sistematizar sua produção artística.

- Teixeirinha enviava as canções para a gravadora, para as pessoas que confiava, e gravava logo em seguida. Esse era um sistema que fazia a roda girar. Acho que até por isso Querência Amada talvez não tenha feito tanto sucesso naquele ano - explica o biógrafo.

Apesar de ser a canção mais regravada de Teixeirinha e ter se tornado uma das músicas mais populares do regionalismo gaúcho, Querência Amada não foi uma música de trabalho (single) do disco Aliança de Ouro. Para Feix, talvez tenha havido um descompasso com o que a gravadora esperava, sem ter se dado conta do potencial que tinha em mãos. A sistematização do músico também pode ter contribuído para a faixa ter passado despercebida:

- Ele produzia muito e reservava algumas músicas com enorme potencial, mas que acabavam nem estourando porque não dava tempo.

Póstumo

Duas décadas depois de lançada, Querência Amada estourou. Teixeirinha já havia partido em 4 de dezembro de 1985. Foi na versão de Oswaldir & Carlos Magrão que a canção se popularizou - em especial, com sua levada country e sua introdução com guitarra.

A ex-dupla - hoje cada um segue carreira solo - regravou Querência Amada pela primeira vez enquanto ainda vivia em São Paulo (SP), e a faixa entrou no repertório do disco Velha Gaita (1993), pela gravadora Continental. Os dois estavam na casa de um amigo, que tinha uma coleção de discos de Teixeirinha.

Entre a audição de uma música e outra do artista, Querência Amada surgiu. Carlos Magrão lembrou de seu pai, que costumava ouvir e cantar a canção. Ele recorda que, como estavam longe do Estado, a música "bateu forte no coração" pela saudade. Já Oswaldir relata que pegou o violão e anunciou: "Vamos mudar isto aqui".

- Como venho de um outro segmento musical, que foi o rock and roll, pensei: "Vamos botar um country aí". Fiz aquela levada que está aí até hoje - assinala Oswaldir.

Os dois voltaram ao Rio Grande do Sul em 1995 e assinaram com a gravadora Acit. No disco lançado no ano seguinte, que leva o nome da dupla, incluíram uma versão mais polida de Querência Amada - pela qual ficaria difundida.

Mas a música também teria um empurrãozinho do esporte: o zagueiro Adílson Batista, que jogava pelo Grêmio na época, chegou a cantá-la nos programas de esporte. A faixa também embalou trilhas de reportagens do Grêmio de Felipão, campeão brasileiro em 1996. Só que a canção transcende o futebol.

Carlos Magrão corrobora: - Embora não seja uma letra nossa, ficou conhecida pela nossa característica. O arranjo que a gente trouxe também foi inovador para a época, tiramos a gaita e incluímos uma guitarra country nela.

A partir da versão de Oswaldir & Carlos Magrão, Querência Amada se consolidou como um dos hinos informais do RS sendo tocada por aqui e por artistas de fora como afago aos gaúchos ou lembrada acima do Mampituba.

Fora do Estado, Querência Amada é muito pedida, aponta a cantora regionalista Nair Teresinha:

- Ela engrandece o Rio Grande do Sul naquele último refrão que arrepia! Acho que esse é o valor todo que a canção tem, de trazer para a gente a lembrança. Eu tive a experiência de viver em outros Estados e essa música me tocava.

Sobre o sucesso tardio de Querência Amada, anos após a morte de Teixeirinha, Feix observa:

- É mais impressionante isso não ter acontecido antes, porque é uma música que tem essa exaltação forte. Parece que nasceu para ser um hino informal do Rio Grande do Sul.

 WILLIAM MANSQUE

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