sexta-feira, 2 de setembro de 2022


02 DE SETEMBRO DE 2022
EDUARDO BUENO

7 de Setembro

A história é uma construção - mesmo sendo "construída" com base em fatos reais. Para ser mais claro, e usar a palavra que agora virou palavrão: a história é uma narrativa - sempre foi e sempre será. Como tal, ela precisa, necessariamente, ser editada. E quem narra, quem conta, quem escreve (ou seja, quem edita), escolhe o que entra e o que fica de fora; o que vai virar manchete e o que não será mais do que nota de pé de página. Com o passar do tempo, a história vai se cristalizando por meio da tradição - e toda tradição é inventada. Não no sentido de que privilegie algo que não aconteceu, mas no sentido de que determinados acontecimentos são consolidados pela "história oficial" em detrimento de outros (ou de outras versões desses mesmos fatos), que assim acabam ignorados, esquecidos e então suprimidos da dita História com maiúscula.

Raras tradições foram mais inventadas do que o 7 de Setembro e o Grito do Ipiranga. Claro que Dom Pedro gritou às margens plácidas do Ipiranga - mas se o sol de fato brilhou com raios fúlgidos no céu da pátria naquele instante, não foram mais de 30 as pessoas que o viram (e ouviram). A independência do Brasil foi um processo lento e sinuoso, que teve início com a transmigração da família real portuguesa para o Brasil em 1808, passou pelo Dia do Fico, em 9 de janeiro de 1822, e só se concretizou com a assinatura do Tratado de Paz e Aliança, em agosto de 1825, quando o Brasil pagou (uma fortuna) para que Portugal enfim reconhecesse a separação.

A questão é que, até 1822, a "construção" da história se dava toda no Rio de Janeiro. E São Paulo não estava gostando nem um pouco de ficar fora da "narrativa". Assim, servindo-se daquele grito quase aleatório, proferido no meio do nada e escutado por quase ninguém - mas em São Paulo -, os paulistas construíram tijolo por tijolo, num desenho lógico, a tradição do 7 de Setembro, referendada depois pela pintura magistral de Pedro Américo, O Brado do Ipiranga, feita 66 anos após os eventos que representou de forma mais real do que a própria realidade - quase um deepfake.

Assim, e por isso, a gente continua fazendo de conta que não sabe que a independência foi articulação do centrão: uma artimanha da bancada ruralista do Senado para manter intocada a escravidão, fazendo o Brasil mudar só para continuar igual, como tantas vezes. Escrevi e apresento a série B de Brasil, exibida pelo History Channel a partir da próxima quarta-feira, às 23h, com reprises aos sábados, às 17h30min, e domingos, às 20h. Claro que também é uma construção - mas garanto que está mais longe da lenda e mais perto dos fatos. Sem deixar de ser divertida. É sério.

EDUARDO BUENO

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