quinta-feira, 22 de julho de 2010



22 de julho de 2010 | N° 16404
LETICIA WIERZCHOWSKI


A mão e o pão

Aconteceu uma pequena e saborosa revolução aqui em casa: compramos uma máquina de fazer pão. Uma máquina pequena, extremamente eficaz e deliciosamente capaz – os poderes daquela caixinha aquecida trouxeram grandes benesses para o nosso lar.

Uma coisa trivial e, talvez por isso, maravilhosa: entrar numa casa cheirando a pão quente. Há um aconchego nisso, uma lembrança infantil e delicada – quase nada é tão bom como uma fatia de pão fresco, ainda fumegante, com um naco de manteiga derretendo-se por cima.

Lembro a minha infância em Cidreira e uma padaria improvisada que funcionava na última casa da nossa rua: quando voltávamos da praia, à tardinha, o cheiro morno e doce dos pães caseiros, das cucas e dos bolos que assavam se enrodilhava fundo, enfeitiçando nossos estômagos.

Tomávamos o banho com pressa e corríamos a ruazinha até a esquina, dinheiro na palma da mão, para comprar o pão do lanche vespertino que já voltávamos comendo, aos nacos, naquela fome única e buliçosa que é a fome nascida dos banhos de mar.

Passados os anos, e tão distante aquela ruazinha das minhas memórias, agora estou aqui reinventando esses cheiros, brincando orgulhosamente com a minha máquina, testando receitas e esperando os meninos com a casa a exalar o inigualável aroma de pão recém-saído do forno.

Volto do mercado carregada de diversas farinhas, grãos, sementes e especiarias, e venho produzindo nossos jantares e lanches com uma alegria assim meio atávica – cheguei à conclusão de que todos temos um quê de padeiro lá no fundinho da alma:

a massa com ovos, água, sal, açúcar e fermento, sovada, aberta com o rolo, a massa que é o começo de tudo, o básico de qualquer mesa, simples ou requintada que seja, perfeita para qualquer fome, para qualquer hora, parceira de todos os gostos: o pão, essa unanimidade.

Pães para os amigos, cucas para o lanche da tarde, geleias, pizzas, medialunas – a cozinha aqui de casa vai a pleno vapor. De inventar personagens, passei agora a inventar receitas, e sempre é uma boa hora para uma fatia de pão quentinho. Então me lembro de um pequeno poema da Cecília Meirelles: “O chão, o grão, o grão no chão, o pão, o pão e a mão, a mão no pão, o pão na mão, o pão no chão?

Não.” Ah, o pão nosso de cada dia! Como nada é perfeito, porém, terei de voltar às compras sem demora: a nossa próxima aquisição familiar? Uma boa esteira ergométrica...

Nenhum comentário: