quarta-feira, 28 de julho de 2010



28 de julho de 2010 | N° 16410
DAVID COIMBRA


Como ser um disciplinador

Às vezes tenho de ser mais duro com o meu Pocolino. Não, não sou favorável à “palmada educativa”. Alguém algum dia disse que o corpo é um templo sagrado blablablá. Não lembro exatamente da frase, não lembro exatamente quem a disse, mas concordo com o sentido: o corpo é intocável. É por isso que o relativismo cultural é uma bobiça antropológica: certas culturas que afrontam o corpo são abomináveis, como as que mutilam mulheres ou as obrigam a cobrir-se da cabeça aos pés com lençóis pretos.

Mas tergiverso. Voltando ao Pocolino, com quem às vezes tenho de ser mais duro: quando o repreendo ou o ponho de castigo, minha intenção não é apenas corrigir-lhe o erro eventual. O que pretendo é imprimir-lhe no escaninho mais recôndito do cérebro uma mensagem: que aquele cara ali, no caso o pai dele, vela por sua segurança, que lhe deseja o bem sem nenhuma condição e que, o mais importante, oferece-lhe um bom conselho.

Ou seja: quando ele crescer, deixar de ser um Pocolino e eu não puder mais simplesmente enganchá-lo debaixo do braço e levá-lo para longe do perigo, quando ele próprio estiver pronto para escolher seu caminho pelo mundo, saberá que existe alguém que se importa com ele e que lhe dará sempre uma opinião na qual pode confiar.

Em suma, ele tem que saber que EU ESTOU CERTO.

O importante, para um pai, não é disciplinar o filho. É ter credibilidade. É deixar entranhada na alma do filho o sentimento de que a palavra do pai é a palavra da sabedoria. E assim torna-se fácil disciplinar.

O mesmo princípio se aplica a um chefe no trabalho ou a um técnico de futebol. Um chefe, um técnico ou um pai precisam de credibilidade. E eles só têm credibilidade quando as coisas funcionam. Se elas não funcionam, se um time perde e perde e continua perdendo, os jogadores não acreditam mais no técnico. Aí é o fim. O técnico tem de ser trocado. Essa é a vantagem de dirigentes e torcedores de clubes de futebol em relação aos filhos. Os filhos, como o Pocolino, não podem trocar de pai. Os clubes podem trocar de técnico.

Às vezes, devem.

Um nó no lençol

Um amigo de um amigo meu, ele tem uma filha. Mas ele é um homem que trabalha muito. Quando sai de casa, de manhã, a menina está dormindo; quando volta, à noite, ela está dormindo também. Incomodado com a situação, um dia ele a chamou e propôs-lhe um pacto. Disse-lhe assim:

– Filhinha, quero combinar uma coisa contigo: sempre que tu acordar e vir um nó no teu lençol é porque o papai te deu um beijo antes de sair de casa.

Desta forma tão singela, ele deixa registrado o seu afeto diário. O que, não tenho dúvida, educa mais do que qualquer palmada.

As mulheres de Paris

Logo depois que a Bastilha caiu, ergueram-se as mulheres de Paris em revolta contra a carestia do pão. Tomaram de um canhão desativado e saíram em marcha para Versalhes. Venceram 14 quilômetros de lama gritando palavras de ordem e cantando canções de guerra, os punhos erguidos em fúria, os corações pulsando de indignação.

A intenção delas era arrastar a família real do nababesco palácio dos luíses a fim de mantê-la sob vigilância em Paris. A monarquia ainda não havia sido abolida, estava quase quase, e elas queriam dar-lhe o derradeiro empurrão.

Ao chegarem a Versalhes, promoveram tamanho alarido que, embora fosse alarido em francês, o que é muito elegante em questão de alaridos, incomodou Luís XVI, e ele cedeu: anunciou que receberia uma comissão das protestantes. As mulheres escolheram duas para representá-las. Eram jovens, uma mal aflorava os 17 anos.

Entraram no palácio, nervosas, e nervosas avançaram pelas galerias rebrilhantes, olhando com timidez para as paredes cobertas de obras de arte. Quando viram o rei debaixo de sua peruca empoada, não resistiram: desmaiaram de emoção. Luís XVI as socorreu bondosamente, amparou-as e deu-lhes água de beber. Eram duas republicanas ferozes que tinham se desmanchado diante do monarca; foram duas monarquistas ferrenhas que saíram do palácio.

Por que isso?

Porque, historicamente, os reis conseguiram imprimir uma imagem na alma do povo. A imagem de que eram superiores, de que eram melhores, de que ESTAVAM CERTOS. Como um pai sempre tem de estar. Ou um bom técnico de futebol.

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