quarta-feira, 28 de julho de 2010



28 de julho de 2010 | N° 16410
PAULO SANT’ANA


Velha rua do meu bairro

Cruzei a esquina do bairro com a mente povoada de recordações da adolescência e coração crivado de saudade dos amigos mortos ou distanciados.

Velha rua do meu bairro, onde senti as primeiras intensas emoções do encontro sempre conflitivo com a maturidade.

Velhos companheiros dos encontros febris da nossa camaradagem.

Eu daria tudo que tivesse para reviver aqueles momentos.

Mas o passado não volta mais, o futuro teima em me impor medos, e o presente quase sempre é um sobressalto.

Velha rua do meu bairro, onde tocava o realejo do periquito que escolhia a sorte num envelope cifrado.

Velha rua do meu bairro, onde passava a bandeira do Espírito Santo, entre foguetes e vivas, no meio da agitação das crianças e da admiração dos jovens.

Nós mal imaginávamos isso que a vida nos dá agora, repleta de incertezas e desenganos, suavizados pela esperança de que ainda podemos ser felizes. O último fio de esperança.

Velha rua do meu bairro, onde se vendia quentão e pinhão quente, outras vezes pipocas.

E a mania dos fogos de artifício: bomba-rojão, trique-traque, bombinhas, buscapés, lá adiante, a uma quadra de distância, sempre havia uma fogueira de São João ou de São Pedro e São Paulo, onde invariavelmente aparecia um louco para pisar nas brasas escaldantes, não lhe restando, por incrível que pareça, quaisquer queimaduras ou escaras na sola do pé intacta.

Velha rua do meu bairro, cuja paisagem de fevereiro era dominada pelo rubro das melancias partidas. Um talho na melancia, não há ritual mais saboroso que cortar uma melancia.

Velha esquina do meu bairro, onde aprendi os meus primeiros cânticos e ouvi as primeiras anedotas.

Tempo alegre em que a juventude teimava em não fugir de nós e a velhice era apenas uma lenda que continha ameaças perigosas.

Esquina onde se preparavam as pandorgas, os papagaios e os caixões para serem soltos lá ao longe, no riacho, que naquele tempo não era poluído e onde se podia arriscar algumas braçadas.

Mal pressentíamos que aquela paisagem urbana e humana iria para sempre quedar-se em nossas lembranças e alegrar nossas reminiscências.

Engraçado que naquele tempo não existia inveja, ciúme, fofoca, nada de ruim, ainda não tínhamos sido investidos da condição humana que agride os outros e nos transforma em feras na luta pela sobrevivência.

O que existia era namoro, era camaradagem, era amizade, um tempo poético de aventuras cotidianas.

O sexo, ah, o sexo era apenas um mistério, no máximo um plano, sufocado pelas obscuridades onanísticas.

Quem me dera reviver-te, velha rua do meu bairro, a festa na paróquia onde os alto-falantes ressoavam nas dedicatórias incessantes: “Alô, alô, uma menina de saia azul com blusa branca, um rapaz de calça marrom dedica-lhe com todo o carinho a música Pensando em ti, com Nélson Gonçalves.

E o tiro ao alvo, as pescarias, o carrossel, às vezes até a roda-gigante. E o amendoim torrado rolando com picolé e refresco.

Idiotamente arrisco dizer que se era mais feliz do que agora, pelo menos não se pensava no futuro, isso não acontece agora, o que nos aterroriza.

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