quarta-feira, 13 de maio de 2009



13 de maio de 2009
N° 15968 - DAVID COIMBRA


Vida de desempregado

Tive de sair para procurar emprego, uma época. É horrível ter de procurar emprego. Você fica ali se oferecendo, falando das suas qualidades, do quanto você é competente e da imensa vontade que tem de trabalhar naquele lugar, e não sabe se a outra pessoa quer você.

Pior: em geral, ela não quer. Sim, sei que na relação com as mulheres é a mesma coisa, mas nós homens somos treinados para aceitar a rejeição feminina. No trabalho, não. A rejeição no trabalho é humilhante.

Então lá estava eu, vivendo um período de vácuo na minha existência. Aconteceu pouco antes de entrar na faculdade. Quer dizer: não tinha profissão, não tinha experiência, era difícil arrumar uma empresa que necessitasse dos meus préstimos.

Aí minha rotina era a seguinte: no domingo, pegava os classificados e assinalava as ofertas de emprego mais atraentes. Escolhia a melhor. Era onde iria de manhã BEM CEDO, na segunda-feira.

Eis algo que um bom desempregado precisa saber. Você só vai conseguir emprego se se apresentar à empresa na segunda-feira de manhã BEM CEDO. É um critério dos empregadores.

Quanto mais cedo o desempregado aparece na empresa, mais chances terá de ser aprovado. Talvez porque eles achem que o desempregado que não está na empresa BEM CEDO dorme demais, sei lá. O fato é que o dia do desempregado é a segunda-feira, e a hora é BEM CEDO. Depois do meio-dia e a partir de terça, nem adianta procurar emprego.

Logo, segunda-feira, seis e meia da manhã, eu já estava na parada de ônibus, o cabelo molhado, bem arrumadinho. Aliás, a roupa. Se você for se candidatar a um emprego todo enfarpelado, perde a autenticidade; se for casual demais, pode dar a impressão de que não está dando solenidade ao emprego pretendido. Como deve se vestir um bom desempregado? Essa é a arte, esse o mistério.

De qualquer forma, a apresentação é importantíssima. Lembro de uma transportadora na qual queria trabalhar, certa feita. Cheguei BEM CEDO. Um dos primeiros. Na verdade, o segundo. O curioso é que, por mais cedo que fosse, nunca consegui ser o primeiro. Sempre tinha um desempregado antes de mim na fila. Calculo ser essa era uma das principais causas dos meus fracassos como desempregado tentando deixar de ser desempregado.

Bem. Desta vez eu era o segundo. Havia um gordinho na minha frente. Avaliei-o. Não parecia muito confiante, e um desempregado precisa parecer confiante. Supus que podia batê-lo. Sentei-me, sorrindo – era o segundo a chegar e o primeiro não estava confiante.

O emprego seria meu. Meu! Nos minutos seguintes, a sala foi enchendo. Os desempregados chegavam, viam que já havia outros à espera e se decepcionavam. Eu exultava. Até que ela chegou. Uma loira.

Era magra, alta, tinha longos cabelos lisos e usava uma saia curta. Sentou-se ao meu lado. E sentou-se confiante. Totalmente confiante. Fiquei pensando que, se eu fosse uma loira daquelas, também estaria confiante. O mundo pertence a loiras como aquela.

Tecia tais considerações quando o gordinho se levantou, e, olhando com ressentimento para a loira, saiu da sala. Foi-se embora. Compreendi o gordinho. Compreendi, também, que ele havia sido sábio. Perdíamos tempo naquele lugar. Se o mundo pertence a loiras como aquela, por que não pertenceria um emprego raso numa transportadora? Imitei-o. Fui embora. Uma loira confiante tem de estar empregada onde quiser.

Mas o mais estranho aconteceu em outro lugar. Uma empresa de contabilidade. Cheguei lá, preenchi uma ficha e, depois de alguma espera, mandaram-me entrar na sala do chefe. Sabia que era o chefe porque uma secretária avisou: – É o chefe.

O homem estava sentado atrás de uma mesa em que havia um cachorro de borracha do tamanho de uma mão fechada. O cachorro balançava a cabeça sem parar. Fiquei olhando para aquele cachorro. Como é que ele balançava a cabeça sem parar? O chefe era careca. Acho que estava um pouco acima do peso.

Tinha uma folha de papel nas mãos, imagino que a minha ficha. Sem levantar os olhos da ficha, começou a me fazer perguntas. Minha experiência, o que pretendia da vida e tudo mais. Respondi olhando ora para o cachorro, ora para o chefe acima do peso. Ele só ergueu a cabeça da ficha e me olhou nos olhos para fazer uma pergunta:

– Você gosta de futebol?

Aquilo me desconcertou. O que deveria responder? Naquela época, o futebol não gozava do prestígio de hoje. Ninguém usava camiseta de time na rua, havia até certo desdouro em ser jogador. Mas e se o homem gostasse de futebol? E se fosse um fanático. Na dúvida, resolvi não mentir. Tartamudeei:

– Go... gosto... Vi a decepção se desenhar no rosto dele. – Pode sair – ele disse, olhando de novo para a ficha.

Saí, abatido. Sabia que o emprego não seria meu, como não foi. Hoje, sendo o futebol apreciado tanto e por tantos, pergunto-me se aquilo tornaria a acontecer. Eis uma resposta que, provavelmente, nunca terei.

Nenhum comentário: