segunda-feira, 4 de agosto de 2025



04 de Agosto de 2025
CLÁUDIA LAITANO

Eduardo III

Cruel, invejoso, manipulador e amaldiçoado pela própria mãe, Ricardo III é um dos vilões mais fascinantes de Shakespeare. E como não seria? O personagem é a encarnação do mal absoluto, em pensamentos e ações, e não é difícil identificar a mesma combinação de ambição desmedida com pitadas de psicopatia em figuras reais que nascem e morrem todos os dias - dentro e fora da ficção. (Uma das melhores adaptações da peça para o cinema, com Ian McKellen no papel principal, transporta o enredo para a Inglaterra dos anos 1930.)

Muito menos famoso é seu ancestral Eduardo III, protagonista de uma peça homônima que demorou a ser aceita no cânone shakespeariano porque contém trechos, não tão inspirados, escritos provavelmente por outros autores. Eduardo III também é um rei sem nenhum caráter, mas de índole mais medíocre. Na peça, sua falta de princípios serve para iluminar a honra e a bravura de seu filho mais velho, também chamado Eduardo, que para azar dos súditos morre antes de chegar ao trono.

Quando retratava personagens da realeza dos séculos 14 e 15, Shakespeare estava menos preocupado com os grandes vultos da história da Inglaterra do que com o diálogo com seus contemporâneos. Afinal, a variedade de tipos humanos - e das paixões que os movem - não é tão grande assim. Em seus dramas históricos, reis e plebeus, heróis e bandidos, sábios e parvos, mesmo carregando nomes de pessoas que realmente existiram, são espelhos em que o espectador pode projetar os medos e aspirações de seu próprio tempo.

Chaplin dizia que a vida, de perto, é uma tragédia, mas vista a distância pode virar comédia. Talvez daqui a alguns anos possamos rir de tudo isso que hoje nos tira o sono, mas, por enquanto, não consigo parar de pensar na conspiração de Eduardo Bolsonaro contra seu próprio país ("Se tudo der errado, pelo menos nós estaremos vingados") como matéria-prima para um drama shakespeariano sobre poder, traição e desmedida. Imaginem comigo. 

Um ex-soberano acusado de crimes em série está prestes a ser conduzido à prisão pelo tribunal máximo do reino. Seus filhos, de olho no patrimônio da dinastia, tramam estratégias para livrá-lo do castigo iminente - cada um a seu modo. O mais velho faz o sensato, o do meio se finge de louco e o terceiro decide pedir ajuda a um império distante, maior e mais poderoso, para atacar seu reino, livrar o pai da condenação e assim abrir caminho para que um dia ele mesmo chegue ao trono - confiante de que, até lá, sua traição e a do pai terão sido esquecidas ou perdoadas.

O desfecho desse drama ainda está por ser escrito. Não por Shakespeare, mas por todos aqueles que vivem e votam nesse pequeno grande reino atraiçoado. 

O conteúdo desta coluna reflete a opinião do autor

CLÁUDIA LAITANO

Um comentário:

Anônimo disse...

felizmente é o pensamento de claudia ,,,, tem outros