quarta-feira, 6 de agosto de 2025



06 de Agosto de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

com João Pedro Cecchini

Consulta à OMC sobre tarifaço é importante, mas inócua

Sim, o título parece uma contradição, mas não é. A coluna já observou que qualquer recurso à Organização Mundial do Comércio (OMC) é apenas simbólico, como admitem integrantes do governo Lula. E isso vale para o Brasil, que aprovou na segunda-feira recomendação para abrir consulta na instituição, ou qualquer outro país.

Ainda antes do segundo mandato de Donald Trump, os Estados Unidos minaram o órgão da OMC capaz de aplicar sanções. Há anos, os americanos não indicam integrantes para o órgão de apelação, instância máxima da entidade.

Como descreveu à coluna o embaixador José Alfredo Graça Lima, os EUA podem ser alvo de panel (espécie de julgamento), receber "condenação", mas sem chancela do órgão de apelação, ficam livres para não cumprir a determinação. Mas se é inócuo, por que é importante o recurso à OMC? Para ficar "menos sozinho" contra Trump.

No dia 23 de julho, o secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty, Philip Fox-Drummond Gough, afirmou na OMC que usar negociações como "jogos de poder é um atalho perigoso para a instabilidade e a guerra". Recebeu apoio de 40 representantes de outros países.

Essa solidariedade entre os atingidos pela irracionalidade não apaga os efeitos negativos de tarifas que prejudicam de vietnamitas a americanos e, a partir de hoje, cerca da metade das exportações brasileiras aos EUA. Mas tira do isolamento países que tenham de resolver, à custa de concessões e investimentos nos EUA, um comportamento ilógico e inimigo do livre-mercado. Para o Brasil, que tem déficit no comércio com o país de Trump e está sendo punido por ter independência entre poderes e tentar responsabilizar quem conspirou contra as leis vigentes, obter respaldo internacional é ainda mais relevante. _

O que Trump pode fazer após prisão domiciliar

Pode não ter sido apenas pela prisão domiciliar de Jair Bolsonaro, mas não houve qualquer nova exceção no tarifaço que entra em vigor hoje. Na véspera, o presidente dos EUA, Donald Trump (foto), não adotou qualquer nova medida contra o Brasil, mas voltou a ameaçar a Índia com uma medida que embute risco: adotar sobretaxas atribuídas à compra de grande quantidade de petróleo e derivados da Rússia, com revenda no mercado internacional.

No Brasil, a Rússia ainda é a principal fonte de importação de óleo diesel. De janeiro a junho, importadores brasileiros compraram US$ 2,5 bilhões em combustível russo. Os EUA ficaram em segundo lugar, com US$ 1 bilhão em vendas.

Isso ocorre porque o Brasil continua dependente de diesel importado: só 70% do consumo é abastecido por produção nacional, enquanto 30% precisa ser complementado por compras no Exterior.

Caso Trump ameace - ou pior, aplique - também o Brasil com sobretaxas "justificadas" pela compra de diesel russo, a medida pode ter impacto macroeconômico muito maior do que o do tarifaço.

Sem a Rússia como alternativa de abastecimento, o combustível de qualquer origem ficaria mais caro. A opção mais viável seria a própria Índia, que já está na mira. Há risco de que, sem oferta global suficiente, ocorra um forte aumento de preços e, portanto, da inflação - justo quando começa, lentamente, a declinar. 

O recado do filho "moderado" a empresários

O filho zero-um de Jair Bolsonaro, o senador Flávio, costuma se apresentar como o integrante mais moderado da família. Na segunda-feira, logo depois da determinação da prisão domiciliar do pai, deu entrevista à CNN afirmando que empresários brasileiros que agora estão preocupados com a tarifa de 50% deveriam pensar nos "colegas" que foram processados por trocar mensagens.

É preciso lembrar a que ele se refere: um grupo de empresários defendeu golpe de Estado no Brasil. Foi em um grupo de WhatsApp (presume-se que só foi descoberto porque outro integrante os expôs). Golpe de Estado é crime, portanto faziam apologia ao crime, que é... crime, conforme o artigo 287 do Código Penal.

Indagado se seu irmão está fazendo novas "articulações" para que Donald Trump reaja com mais medidas contra o Brasil - contra o Brasil -, afirmou:

- Quem tinha que pensar nisso antes de tomar a decisão era Alexandre de Moraes. O que aconteça daqui pra frente em relação com os EUA, o que é imprevisível, não posso falar nem que sim nem que não, porque sinceramente não tenho ideia do que pode acontecer. Mas pelo caminho que as coisas estão tomando, pela postura do presidente da maior democracia do mundo, principalmente em função do que está fazendo Alexandre de Moraes, acho difícil que não venha nenhuma reação de lá. Torço pra isso? Óbvio que não.

A frase foi "óbvio que não", mas soa como "óbvio que sim". Para, outra vez, tirar eventuais dúvidas do caminho, o senador ainda afirmou que a ação capaz de evitar novas medidas de Trump está ao alcance do Congresso: a anistia para os envolvidos no 8 de Janeiro. É o resgate que a família cobra pelo sequestro da sobrevivência de empresas e de empregos. _

O novo esporte do mercado financeiro

Mesmo sem muita expectativa de encontrar algo muito novo, a ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) que interrompeu o ciclo da alta de juro no Brasil foi lida com atenção no mercado. A síntese foi que ainda não há certeza de que o nível estratosférico da Selic esteja produzindo o efeito desejado, ou seja, a desaceleração da atividade econômica.

A partir de agora, o esporte do mercado financeiro será adivinhar o tamanho da parada técnica. Há apostas de que resuma a pouco mais de quatro meses, caso do economista do ASA Leonardo Costa, que prevê o início dos cortes já em dezembro.

Também há perspectiva de que represente prazo maior, como Sara Paixão, analista de macroeconomia do InvestSmart XP, que estima redução na Selic antes do segundo trimestre de 2026. Nesses cálculos, é claro, não pesam apenas fatores macroeconômicos. O fato de 2026 ser ano eleitoral faz diferença nas projeções. _

As pistas da Embraer

Empresa brasileira que seria a mais afetada pelo tarifaço de 50%, a Embraer deu pistas de como foi uma das semanas mais tensas de sua história. Aeronaves são o quarto produto mais exportado para os Estados Unidos, vendidas só pela empresa.

Na quarta-feira passada, seus produtos - e quase todos os fornecedores - ficaram na lista de exceções ao adicional de 40%. A empresa segue afetada pela alíquota de 10% imposta em abril. Uma pequena dose de lógica fugiu da irracionalidade que domina Trump: cerca de 40% dos componentes que a Embraer compra são americanos e ajudam a manter 13 mil empregos por lá. E ainda pretende investir US$ 500 milhões na Flórida e no Texas.

A companhia falou uma língua que Trump entende: o que pode ganhar com uma exceção. Infelizmente, não é um recurso que pode ser aplicado pela grande maioria das empresas no Brasil. _

GPS DA ECONOMIA

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