segunda-feira, 4 de agosto de 2025


4 de Agosto de 2025
EM FOCO

EM FOCO

Exploração desses recursos naturais, essenciais para o desenvolvimento de dispositivos de alta tecnologia e para a transição energética, podem entrar na negociação sobre o tarifaço. País tem o segundo maior estoque, atrás apenas da China

Por que os minerais do Brasil estão na mira dos EUA

Em meio às negociações entre Brasil e Estados Unidos acerca do tarifaço imposto por Donald Trump, um fator que pode vir à mesa são os minerais estratégicos e terras raras. Estes elementos, fundamentais para a produção de dispositivos tecnológicos e para os esforços de transição energética, são cada vez mais disputados pelas principais potências globais, e o território brasileiro possui uma das maiores reservas destes recursos em todo o mundo.

No dia 23 de julho, o encarregado de negócios da Embaixada dos EUA no Brasil, Gabriel Escobar, manifestou, em reunião com representantes do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), em Brasília, interesse em acordos com o Brasil para aquisição de minerais estratégicos.

O decreto que instituiu o tarifaço de 50% sobre parte das importações brasileiras foi assinado na semana passada, e a alíquota começa a valer a partir de quarta-feira, mas o governo brasileiro ainda tenta negociar.

Dentre as quase 700 exceções incluídas no decreto, estão 75% dos minérios que o Brasil exporta aos Estados Unidos, segundo o Ibram. Serão taxados, de acordo com análise preliminar da entidade, os minerais caulim, cobre, manganês, vanádio, bauxita e algumas pedras e rochas ornamentais.

O maior problema para o setor, conforme o Ibram, seria o Brasil retaliar os Estados Unidos, também sobretaxando importações. Isto poderia gerar perdas de até US$ 1 bilhão por ano para a mineração nacional, sobretudo pelo aumento dos custos na importação de maquinário pesado.

- A retaliação e a reciprocidade nos preocupam muito mais - afirma o presidente do Ibram, Raul Jungmann.

Indonésia e Ucrânia

As negociações sobre tarifas a produtos da Indonésia levaram a um acordo no qual o país asiático reduziu as restrições às exportações de minerais críticos para os EUA.

No final de abril, o governo norte-americano já tinha exigido acesso a terras raras da Ucrânia durante discussão sobre a continuidade do apoio aos ucranianos na guerra contra a Rússia.

No Brasil, em entrevista concedida no último dia 28, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou o interesse dos Estados Unidos nesses minerais.

- Se eu nem conheço esse minério, e ele já é crítico, eu vou pegar ele para mim. Por que que eu vou deixar para outro pegar? - afirmou Lula.

Lula afirmou ainda que o governo está estabelecendo parcerias, com a criação de uma "comissão ultraespecial", para o levantamento de todo tipo de riqueza existente no solo e no subsolo do país. De acordo com o presidente, cerca de 70% do território ainda não foi pesquisado. _

Interesse externo crescente e falta de regulamentação

Justamente por sua utilidade em diferentes indústrias de ponta que terras raras estão cada vez mais disputadas pelas grandes potências globais. E o Brasil tem a segunda maior reserva destes minerais no planeta, com cerca de 21 milhões de toneladas. É menor apenas do que a da China.

Terras raras são fundamentais para produção de dispositivos de alta tecnologia, como smartphones, televisores, LEDs e aparelhos médicos ou equipamentos industriais de alta performance. Também são utilizados na produção de baterias, semicondutores e nos aparelhos de geração de energia solar e eólica.

- Há uma disputa geoeconômica e geopolítica em cima destes minerais, e os países que dominarem a extração, a produção e a comercialização já com valor agregado, na forma de baterias, por exemplo, vão ter uma grande vantagem competitiva - destaca Roberto Uebel, professor de Relações Internacionais da ESPM-SP.

No Brasil, já há iniciativas de exploração em regiões como Minas Gerais e Goiás, mas ainda incipiente. Especialistas afirmam que o país carece de um arcabouço jurídico específico para regular e fomentar esta exploração de forma ordenada e sustentável.

- Atualmente, o tratamento legal dado aos minerais estratégicos é o mesmo aplicado aos demais bens minerais, com base no Código de Mineração, uma lei da década de 1960 e atualizada em 2022, mas iniciativas normativas específicas ainda são limitadas - observa a advogada Fabiana Figueiró, do escritório Souto Correa.

No caso dos EUA, a necessidade desses recursos é ainda mais latente devido à disputa com a China.

- Estamos falando de uma corrida tecnológica para ter hegemonia comercial, e nesse ponto, os chineses estão à frente. Por isso esse tema entra hoje no debate em relação ao tarifaço no Brasil - complementa Uebel.

Entenda

Apesar de relacionados, os conceitos de minerais estratégicos e terras raras são distintos.

O Brasil tem em seu território a presença significativa de diversos tipos de minérios, com destaque para a produção, por exemplo, de ferro, estanho, alumínio e manganês, entre outros.

Cada país tem a prerrogativa de estipular quais minerais são estratégicos, ou críticos, para sua administração, com critérios próprios. O Brasil fez isso através da Resolução nº 2 de 18 de junho de 2021, da Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral. 

Na lista, estão elementos como nióbio, minério de ferro e lítio. - Minerais críticos, neste sentido, seriam aqueles com significativa contribuição para as cadeias produtivas, sendo vitais para o desenvolvimento econômico e funcionamento das linhas de produção dos países, porém, com riscos representados por dinâmicas geopolíticas, regulações comerciais, escassez minerogeológica e questões relacionadas - explica o engenheiro ambiental Enio Fonseca, ex-superintendente do Ibama em Minas Gerais e especialista no tema.

Nesse contexto, o Brasil destacou como estratégico também o minério de terras raras. Terras raras é um conceito global, representando um grupo de 17 elementos químicos que, embora existam na natureza, estão em pequenas concentrações e exigem tecnologia avançada para encontrar, extrair e processar. - 

São elementos normalmente encontrados na natureza misturados a minérios de difícil extração, mas com características peculiares, como magnetismo intenso e absorção e emissão de luz, além de serem dúcteis, maleáveis, de baixa dureza e bons condutores de calor e eletricidade. Isso faz com que possuam utilidade como matéria-prima para a produção de distintos materiais pela indústria, por exemplo, na fabricação de baterias, lâmpadas, telas de celulares e lasers - acrescenta Enio Fonseca.

Nenhum comentário: