
Banheiros de estrada
Não há nada mais impactante do que banheiro de estrada. Todos se parecem, mas é sempre uma experiência visual inédita, e uma provação da sua resiliência.
Por mais que se espere o básico - aguaceira de origem duvidosa no piso, papelões no chão para não escorregar, naftalinas nos mictórios, baias com fechaduras defeituosas, saboneteira de parede com um conteúdo verde ou vermelho de detergente -, reina um modus operandi insólito.
Se o frentista ou o atendente falar que é "lá atrás", prepare seus nervos de aço. Quanto mais distante o banheiro, pior o seu estado. Quando o toalete é menor, você não tem escolha: precisa buscar a chave, ligada a um chaveiro do tamanho de uma calota de carro. Se pretendia não chamar atenção para as suas necessidades, acabou dando um espetáculo.
Já vi postos de gasolina em que a chave estava presa por uma cordinha a um pote de ketchup. Ou a um pedaço de madeira (tronco, ripa, tábua). Ou a uma garrafa PET esmagada. Ou a um aro de bicicleta.
Tudo para não perder, e também para não levar junto e esquecer de devolver. No bolso, nem cabe. Só botando na mochila. Não deixa de ser um objeto artístico, manufaturado por uma mente extravagante.
O chaveiro do banheiro de um posto não é um adereço, é um castigo. Você carrega um trambolho que aparentemente foi resgatado de um ferro-velho ou do lixo. Qualquer pessoa nota que você está apurado. Apartado da discrição que o momento exige. Um escândalo em movimento, andando com as pernas coladas.
As sinalizações de "feminino" e "masculino" das portas tampouco orientam e amparam em sua urgência. Alguns banheiros apresentam gravuras tão abstratas, desprovidas de saia ou calça, que o comum é se sentir um analfabeto funcional. São bonecos genéricos, mal diagramados.
Já hesitei diante de tabuletas com personagens, cartas ou animais. Uma vez enfrentei uma crise de consciência entre a figura de um playmobil com peruca e outro sem peruca. O que significava? Desde quando cabelo indica o gênero? Para mim, ambos eram homens. Sou careca: optei pelo espaço que me representava. Não sei se acertei.
O que mais me apavorou foi uma parada em cidade litorânea. O lugar homenageava os frutos do mar com placas de camarão e lagosta. Supus que camarão fosse masculino. Mas mijei e saí correndo. Não permaneci por muito tempo para tirar a cisma. Quando o WC é maior, ainda assim me deparo com enigmas.
Lembro que, numa rodovia gaúcha (melhor não nomear o paradeiro), entrei num sanitário coletivo que possuía, além das privadas tradicionais, algo que se assemelhava a uma churrasqueira ou lareira no fundo - com as achas de lenha encaixadas para o fogo.
Será que servia para aquecer? Ou fazer um churrasco? Ou disfarçar o cheiro? Não imagino espetos corridos ou uma confraternização naquele ambiente de passagem. O usuário apressado, surgindo por acaso na área, poderia ser surpreendido com uma gamela de coraçõezinhos e salsichões fincados em palitos.
Minha fantasia não vai tão longe. Por pudor, fico por aqui. _
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