segunda-feira, 4 de maio de 2020


04 DE MAIO DE 2020
INFORME ESPECIAL

A UFRGS e os sonhos na pandemia



Nem na hora do sono a pandemia sai da nossa cabeça. Ela só aparece de um jeito diferente. É isso que um grupo de pesquisadores do Instituto de Psicologia da UFRGS e de outras duas universidades brasileiras, USP e UFMG, estão estudando. Mais de 130 sonhos já foram coletados em depoimentos de voluntários. Mesmo sem ter ainda organizado os resultados, as coordenadoras do estudo aqui no RS, as professoras Rose Gurski e Claudia Perrone, sugerem que a pesquisa abre um espaço para que a angústia deste momento seja sentida de maneira menos aniquiladora pelos sonhadores. O grupo também vê a possibilidade de tratar o momento histórico, provocando a imaginação coletiva em busca de outras interpretações para as vivências e experiências traumáticas do momento.

As pesquisadoras endossam ainda a noção de que temas como morte e destruição estão aparecendo mais enquanto os brasileiros dormem. O trecho do sonho de uma profissional de saúde, já incorporado ao material da pesquisa, serve de ilustração da realidade: "Tenho acordado diariamente no fim da madrugada, lá pelas quatro horas, bem apreensiva, após um sonho - ou pesadelo? - com a enfermaria do gripário, que alguns profissionais chamam também de covidário, local onde se encontram os pacientes internados com síndrome gripal aguda ou pneumonia viral, que inclui casos fortemente sugestivos de Covid-19. Ansiosa, desperto e sou dominada pela insônia. No último sonho, estava nos corredores da enfermaria e via que os pacientes estavam deitados nos leitos, frágeis e sem movimento, e eu caminhava para falar sobre o boletim médico com as famílias desses pacientes internados. Algo triste e cheio de sentimentos de tensão".

A pesquisa não parte de uma hipótese rígida. Serão as falas dos sonhadores que mostrarão a função do sonho e os efeitos do estudo. Este é o caminho da pesquisa psicanalítica, conforme explicam: "Um modo de não nos anteciparmos à experiência dos sujeitos, deixando que as narrativas apontem uma direção".

O projeto, que começou antes da pandemia com o nome "A oniropolitica em construção", coloca agora os "Sonhos em tempos de pandemia" como um dos focos do trabalho. A inspiração maior é o livro "Sonhos do Terceiro Reich", da jornalista alemã Charlotte Beradt. Entre 1933 e 1939, ela recolheu cerca de trezentos sonhos de alemães. A obra, que só veio à luz em 1966, mostra como a narrativa onírica dos entrevistados antecipou os horrores do nazismo, que chegariam ao ápice depois, com a eclosão da II Guerra Mundial.

O objetivo é concluir a pesquisa ainda esse ano. De acordo com Rose Gurski, essa é uma das dimensões mais importantes do projeto - abrir pontes e aproximar a pesquisa acadêmica da sociedade.

TULIO MILMAN

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