25 DE MAIO DE 2020
DAVID COIMBRA
A beleza por trás da máscara
As mulheres brasileiras ainda não despertaram para as possibilidades da máscara. Esse é um know-how que as muçulmanas dominam há 1.200 anos. Afinal, de certa forma, elas estão sempre de máscara. Você vai a um desses países de islamismo radical e se surpreende com a criatividade delas. As muçulmanas conseguem se tornar atraentes mesmo expondo apenas a faixa entre as sobrancelhas e o nariz, além das mãos. Elas pintam os olhos de um jeito que os tornam mais luminosos, insinuantes, parecem estar sempre fazendo alguma sugestão. E as mãos elas decoram com tatuagens delicadas, que lhes envolvem os dedos e escalam pulso acima.
Quando estava nos Emirados Árabes para cobrir o Mundial de Clubes disputado pelo Grêmio, em 2017, uma dessas mulheres chamou a minha atenção mais do que as outras. Ela andava pela rua coberta da cabeça aos pés, mas sua burca era leve e o vento a levava com facilidade. Quem olhava quase podia adivinhar-lhe os contornos do corpo esguio. Ela caminhava com uma graça de pantera, sem pressa, mas decidida. Passou por mim e me olhou com olhos de um negro profundo e fiquei pensando: Alá, meu bom Alá!
É encantador constatar como as mulheres conseguem criar beleza de tão pouco. Ao mesmo tempo, é angustiante. Sei que existe todo um relativismo cultural, mas não consigo ver mulheres vestidas daquela forma sem ficar aflito. Mesmo que elas já estejam acostumadas, mesmo que muitas não se importem, EU é que me sinto oprimido. Porque a liberdade tem de ser uma prerrogativa de todos os seres humanos, não é? Então, ao ver aquelas mulheres, eu me sentia pusilânime: afinal, ali estavam irmãs proibidas de se vestir como quisessem, e eu não fazia nada a respeito.
Muçulmanos e muçulmanas de todas as Arábias poderão tecer considerações a propósito, poderão provar que estou errado, mas é assim que me sinto ao deparar com essas mulheres a quem só é permitido mostrar olhos e mãos.
No entanto, volto ao ponto de partida, a minha admiração pela capacidade das mulheres muçulmanas de aproveitar o pequeno espaço de que dispõem para se fazerem belas.
É que, hoje em dia, a beleza tem sido subestimada. Não só a beleza física, mas também as de comportamento. Não é preciso mais "falar bonito" ou ter boas maneiras. Tudo que é relacionado ao belo foi diminuído, é considerado um valor menor diante de bandeiras, de causas ou de ideologias. Seja nas artes, seja na política, é mais importante chocar do que arrebatar. Não duvido que uma brasileira que decidisse se adornar de modo especial acima da máscara fosse acusada de vaidade vã.
Uma pena. Porque assim o mundo se torna um lugar mais árido de se viver. Porque a beleza torna a vida mais amena. Porque ser grosseiro não é ser sincero. Ser tacanho não é ser autêntico. E a boa educação não é apena uma formalidade. É um sinal de respeito pelos outros seres humanos.
DAVID COIMBRA
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