sábado, 30 de maio de 2020



30 DE MAIO DE 2020
INFORME ESPECIAL

Um texto do #@%@&*$

"O meu sobrenome, sem uma letra, já é um palavrão", disse a jornalista Tânia Carvalho, às gargalhadas, enquanto relembrava uma história do começo da década de 1970. Ela foi convidada a comparecer à Polícia Federal, em Porto Alegre, depois de dizer ao vivo, no Jornal do Almoço, que os cachinhos de Dom Pedro I eram "um desbunde". Tânia ouviu, entre outras acusações, a de que havia atentado contra um dos símbolos da pátria.

A língua é viva. Hoje, "bunda" e seus derivados não são mais considerados termos ofensivos. Na recente reunião ministerial que virou o assunto do mês, foram pronunciados 37 - esses sim - palavrões, 29 deles pelo presidente da República. Se essa polêmica é nova, estudos sobre o tema não são. Mais do que julgar, me proponho aqui a analisar a origem, a função e os dogmas que cercam o uso de palavras tidas como vulgares.

Uma pesquisa publicada no European Journal of Social Psychology em 2017 concluiu que xingar ajuda a aliviar dores emocionais. Médico e diretor do Instituto do Cérebro da PUCRS, o professor Jaderson Costa da Costa concorda que, em algumas circunstâncias, pronunciar palavras mais fortes gera "um certo prazer e um certo alívio", mas pondera que este não é o melhor jeito de resolver tensões.

Trazendo para o contexto da reunião ministerial, é legítimo considerar a quantidade de impropérios vocalizados por Jair Bolsonaro como sintoma de um nível alarmante de estresse. Apenas como registro, porque não parece ser o caso do presidente, o uso exagerado de palavrões pode estar associado à Síndrome de Tourette - distúrbio neuropsiquiátrico caracterizado por uma série de tiques motores ou vocais. Um deles, pronunciar incontrolavelmente palavras obscenas ou insultos, está presente em boa parte dos casos. A expressão verbal extrema tem outras e mais amplas conotações.

Para o psicólogo e linguista canadense Steven Pinker, xingar leva nossas faculdades de expressão ao máximo, porque recruta "o poder da combinação da sintaxe, a força evocativa da metáfora e a carga das atitudes, pensadas ou impensadas". Talvez por isso os apoiadores do presidente aplaudam a sua truculência verbal, reconhecendo nela atributos positivos como sinceridade, transparência e coragem. Pinker acredita que a origem do palavrão está ligada à religião e ao mandamento que veda o uso do nome de Deus em vão. Transgredi-lo era a maior das blasfêmias. Mais tarde, o conceito se estendeu a expressões ligadas ao corpo humano e à sexualidade, os vieses mais explorados por Bolsonaro.

O professor do Insper Pedro Burgos buscou outras explicações. Em um artigo publicado em 2008, nos conta que as palavras comuns e suas primas sujas nascem em locais diferentes do cérebro. Enquanto a linguagem "limpa" é da alçada da parte mais sofisticada da massa cinzenta, o neocórtex, os palavrões habitam os porões da cabeça, mais exatamente o sistema límbico, que controla nossas emoções. Quanto mais comum é o uso de palavrões, mais ativa é a parte primitiva do cérebro de quem os diz.

Além disso, o peso das palavras está diretamente ligado ao ambiente nas quais são inseridas. No futebol, não causa choque ou mesmo reação o canto uníssono de 50 mil vozes a adjetivar a mãe de um árbitro. Só recentemente a FIFA começou a fechar o cerco sobre expressões racistas e homofóbicas. Acostumado ao calor dos estádios, o narrador Pedro Ernesto Denardin avalia que o xingamento é uma forma de protesto contra a autoridade, quando uma decisão, ainda que justa, prejudica o time do torcedor.

De certa forma, Pedro Ernesto joga luz sobre a realidade que explica - sem tentar justificar - a postura do presidente na malfadada reunião e as reações polarizadas que se sucederam. Não é de hoje que a dinâmica da política, no Brasil, se aproximou da lógica do futebol, onde a paixão descontrolada alimenta o excesso, enquanto a torcida entoa seus gritos de glória e de guerra.

TULIO MILMAN

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