quinta-feira, 14 de maio de 2020



14 DE MAIO DE 2020
PERFIL

Jefferson ressurge em papel bolsonarista

É difícil encontrar crise política nas últimas décadas que não tenha participação teatral do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB). Da votação da anistia, em 1985, quando destruiu a machadadas um painel com os nomes dos parlamentares ausentes, à recente postagem em que, fuzil em mãos, sugere ao presidente Jair Bolsonaro um golpe no Supremo Tribunal Federal (STF), Jefferson sempre demonstrou aptidão para o protagonismo, seja com atos violentos ou palavras afiadas. Em entrevista ontem ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, de novo exibiu a verve incendiária ao conclamar uma quartelada contra a cúpula do Judiciário.

- A toga não é mais forte que o fuzil - arguiu.

Aos 66 anos, Roberto Jefferson Monteiro Francisco está de volta à ribalta após anos de ostracismo. Vítima de câncer no pâncreas, enfrentou recidivas que o afastaram do cotidiano político. Em seguida, foi abatido por forte depressão. Para surpresa inclusive de correligionários, ressurgiu em live transmitida em 19 de abril, na qual denuncia um suposto "golpe parlamentarista" que seria urdido pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Duas semanas depois, postou a foto portando fuzil.

Advogado criminalista, Jefferson ganhou notoriedade nos anos 1980, ao participar do programa popularesco O Povo na TV. Exibida pelo SBT, a atração vespertina era campeã de audiência e tinha nele um defensor das causas judiciais de pessoas pobres. Em 1983, aos 29 anos, elegeu-se deputado com 85.638 votos. Só deixaria o Congresso no sexto mandato consecutivo, em 2005, cassado pelos pares após o mensalão.

Muito antes de delatar aquele que parecia ser o maior escândalo de corrupção do país, Jefferson já causava controvérsia em plenário. Em 3 de fevereiro de 1988, em plena Constituinte, apareceu empertigado em um terno de linho branco e revólver na cintura, disposto a "resolver na porrada" uma discussão com o então deputado gaúcho Jorge Uequed (MDB). Jefferson queria que Uequed esclarecesse suposta menção ao seu nome em uma lista de pessoas envolvidas com falcatruas na Companhia Brasileira de Alimentos (Cobal). Uequed negou ter feito referência ao colega e o caso ficou por isso mesmo.

A partir desse episódio, não era incomum Jefferson circular armado pela Casa - nenhuma novidade para quem praticava tiro desde a juventude e chegou a possuir 125 armas, de todos os tipos e calibres. Só diminuiu a coleção após o mensalão, por conta da dificuldade de renovar licenças na Polícia Federal.

Na Câmara, defendeu o armamentismo e jogos de azar. Sua produção legislativa, contudo, contrasta com a onipresença no debate político. Em 22 anos de mandato, apresentou 78 projetos e aprovou apenas dois. Um deles permitiu aos advogados assistirem os clientes em depoimentos à CPIs, um dos palcos em que ele próprio mais brilhou.

Impeachment

Em 1992, liderando a tropa de choque que tentava impedir o impeachment do então presidente Fernando Collor, Jefferson interrogou uma das testemunhas- chave do processo, o motorista Eriberto França.

- O senhor vai querer me dizer que está agindo só por patriotismo? - indagou, ao descobrir que França estava desempregado.

- E o senhor acha isso pouco? - rebateu o motorista.

Seis anos mais tarde, voltaria a usar a oratória em prol de políticos encrencados. Durante votação da cassação de três deputados acusados de vender o voto em favor da emenda da reeleição, foi o único a defender os colegas na tribuna. Todos foram absolvidos.

Delator do mensalão em 2005, acabaria preso, condenado a sete anos de prisão. Deixou a cadeia em maio de 2015, após cumprir 14 meses e 23 dias da punição. No ano seguinte, duas semanas após ter a pena perdoada pelo STF, surgiu no Congresso defendendo o impeachment de Dilma Rousseff.

Desde então, Jefferson estava recluso, mas não inativo. No grupo de WhatsApp do PTB, defende Bolsonaro e orienta a bancada a se distanciar do centrão, buscando protagonismo próprio. Há quem diga que seu interesse é recuperar influência sobre a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), perdida após a demissão do gaúcho Ronaldo Nogueira. Jefferson refuta qualquer cobiça por cargos e verbas. Diz que age por patriotismo.

FÁBIO SCHAFFNER

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