sexta-feira, 29 de maio de 2020



29 DE MAIO DE 2020

DAVID COIMBRA

O menino e o foguete

"Papai, estou tão triste", dizia a mensagem que recebi do meu filho no celular. Aquilo me inquietou. Como assim? Fazia poucos minutos que o vira, e estava tudo bem. Ele havia passado o dia inteiro animado. Inclusive, a primeira frase que falou, ao sentar-se à mesa do café da manhã, tinha um ponto de exclamação no final:

- Papai, a Nasa vai lançar um foguete hoje!

Eu estava meio distraído, passando manteiga no pão e pensando alternadamente nos perigos que corre o Estado democrático de direito e na falta que faz o autêntico salamito italiano, que é bom de se comer com chimia de uva, por isso não entendi muito bem:

- Foguete? - Foguete! Com astronautas dentro!

E passou a discorrer com entusiasmo sobre a importância do lançamento daquele foguete e tudo mais. Foi tanta ênfase, tanta alegria que até esqueci das minhas preocupações com o Estado democrático de direito, embora a carência do autêntico salamito italiano continuasse a me provocar certa inquietação, porque é muito bom, mesmo, de se comer com chimia de uva.

Lembrei-me de quando o homem pisou na lua pela primeira vez. Foi um evento excitante para o menino que eu era. Nos reunimos em frente à TV preto e branco do meu avô, na sala da casa dele. Estávamos eu e meus irmãos, meu avô, minha mãe, minha madrinha, todos nós, menos a minha avó, que preferiu ficar lidando na cozinha. Nós a chamávamos:

- Vem ver, vó! O homem chegando à lua!

- Ah, isso é mentira... - ela rebatia, e não havia o que a convencesse do contrário. Até o fim da vida duvidou de que pudéssemos ter alcançado a lua. Hoje, contemplando o canavial de opiniões que toma conta das redes sociais, com olavistas, terraplanistas e negacionistas esfervilhando, penso que minha avó foi uma mulher à frente do seu tempo.

Talvez isso de se empolgar com foguetes seja próprio de meninos. Deve ser, ou a minha vó viria da cozinha para ver Neil Armstrong na TV em 1969 e eu não ficaria pensando tanto no salamito italiano com chimia de uva em 2020.

Meu filho, menino que é, continuou animado com o foguete durante todo o dia. Três horas antes do momento marcado para o lançamento, ele se postou em frente à TV e conectou no canal que transmitia o evento direto do Centro Espacial Kennedy. Pensei que logo iria se aborrecer e correr para os games, mas qual o quê. Continuou firme no sofá, tecendo comentários espaciais.

Aí chegou o João Francisco.

O João Francisco é amigo do meu filho desde a escolinha. Ele mora perto e, como ambos estão isolados, podem brincar juntos. Foi para isso que veio.

- Vamos brincar? - convidou.

E o Bernardo: - Estou vendo o foguete.

- Ah, o foguete! Também quero ver. Mas falta tempo... Quem sabe vamos brincar e voltamos na hora do lançamento?

- Boa. E eles se foram, e eu fiquei em meio a meus afazeres terráqueos. Foi então que recebi aquela mensagem: "Papai, estou tão triste". Fiquei intrigado. "O que aconteceu?", perguntei. E ele: "A Nasa não vai mais lançar o foguete..."

Senti algo entre o alívio e a consternação. Alívio porque não ocorrera nada de grave com ele, consternação porque sua tristeza era autêntica. Foguetes são importantes para os meninos inocentes de todo o mundo. E é importante para a inocência de todo o mundo que haja meninos que se importem com os foguetes.

DAVID COIMBRA

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